sábado, 11 de agosto de 2007

SÉCULO XVIII: NATUREZA, CONHECIMENTO E CRÍTICA

O século XVIII representa um esforço de fazer uma síntese entre “opostos”: Razão e emoção, objetividade e relatividade, unidade e multiplicidade. Tenta-se abrigar estas oposições como partes integrantes de um todo explicativo.
Os enciclopedistas dizem que importa se não conhecemos as leis que uniriam todas as coisas entre si (STAROBINSKI, 1994, p. 135), mesmo assim, eles organizam uma “árvore enciclopédica. D’Alembert diz “uma espécie de labirinto de caminho tortuoso em que o espirito se embrenha sem conhecer muito bem a estrada que deve seguir”.
Esta árvore propõe uma divisão geral dos conhecimentos segundo três faculdades: memória, razão e imaginação, que divide o mundo literário em eruditos, filósofos e criadores.



No cap. Visão Fiel do livro A INVENÇÃO DA LIBERDADE, Jean Starobinski diz que quem quer ter razão no século XVIII, invoca a natureza e se coloca ao seu lado. E se perguntava: O que é natureza? O que é imitar?
O século XVIII tem uma nova consciência da natureza, diz Starobinski. O problema que será abordado é o da transformação do Conceito da Natureza, suas conseqüências para criação artística; O conceito de mimese no século XVIII, As poéticas que surgem no século XVIII produtos de posturas diversas diante da natureza e cultura.


NOVA CONSCIÊNCIA DA NATUREZA
O advento do conceito de espaço cartesiano: neutro, isotropo, homogêneo teve suas conseqüências. Dá ao século o impulso de sua feição relativista. O único ponto de vista único e supremo é o de Deus. O Espaço neutro é característico da ação transformadora da técnica.
STAROBINSKI levanta que o século XVIII se propõe a realizar o domínio do espaço: invasão utilitária do espaço pelo trabalho humano: comércio internacional, estradas, intercâmbio cidade e campo. A propriedade da Terra/ divisão desnatura; a posse transforma a natureza em objeto.
Com o deslocamento do interesse da filosofia (antiga) do ser, na filosofia do Século XVII e XVIII para o conhecer a natureza entra na ordem cientifica.
A ilustração se opõe à compreensão do mundo físico como pura extensão (Descartes) ou absoluta ordem geometrizada (Spinoza). Diderot diz:
“As ciências abstratas ocuparam por muito tempo, os melhores espíritos, com muito poucos frutos; ou não se estudou nada do que era importante saber, ou não se pôs nem escolha, nem foco, nem método nos seus estudos; as palavras se multiplicaram infinitamente e o conhecimento das coisas ficou para trás”.
D’Alembert por sua vez diz: “(...) Tendo de certa forma esgotado pelas especulaçòes geometricas as propriedades da extensão figurada, começamos por desenvolver-lhes a impenetrabilidade, que constitui o corpo físico e que era a ultima qualidade sensível da qual a havíamos despojado”. A geometria não penetrava nos fenômenos.
Assim, Starobinski coloca: deixa-se a geometria para procurar as ciências da natureza, renuncia-se à esperança de traduzir cada fenômeno por uma forma matematizada, para contentar-se em fazer minuciosamente seu inventário.
Espírito sistemático  Renuncia-se ao espirito do sistema, adotando-se um espirito sistemático que liberte a pratica e a experiência sensível da dominação da autoridade. Faz com que a natureza entre na ordem cientifica no século XVIII.
Substitui-se o propósito de tornar a natureza calculável e mecânica por um outro propósito de ordem - que Michel Foucault chama Máthêsis - Reduz-se o problema de medida aos de ordem; propõe-se a analise como Método Universal; A relação do saber com a ciência geral da ordem (MÁTHÊSIS), provoca o aparecimento de um certo domínio de disciplinas empíricas.
Desde o Barroco, a atividade do espírito não se move mais no terreno da semelhança ocupa-se em discernir: estabelecer unidades e diferenças. Este processo separa as ciências (razão) da História (memória). Separa o conteúdo e forma dos objetos do conhecimento (significante/significado). Foucault diz que a razão ocidental, a partir de então entra na “Idade do Juízo”.
Nome, teoria, gênero, espécie, atributos, usos, literatura - Lineu  A natureza é objeto de grandes debates, no século, que dividiram a opinião e a paixão dos homens, assim como seu raciocínio. Oposição entre a valorização ética da natureza (viagens, lugares, animais exóticos) e investimento, exploração, lucro. Oposição entre os que crêem na imobilidade da natureza (Lineu, Tournefort) e os que pressentem a grande potência criadora da vida, seu inesgotável poder de transformação.
D’Alembert diz que “as propriedades dos corpos da natureza possuem um lado puramente intelectual que abrem o campo para especulação do espirito” é por aí que se desenvolve toda a prática de Lineu que nomeia, classifica, hierarquize: espécies, usos, atributos e somente por ultimo coloca a litteraria (toda linguagem depositada pelo tempo sobre as coisas)  A memória/história.
Se o período é anti-historicista (predominante) esta história tem outro valor: O historiador é aquele que vê e narra a partir do olhar. Século XVII a tarefa do historiador era tratar com os documentos. No século XVIII - A história natural dirige um olhar minucioso sobre as coisas e transcreve. Não há intermediários, documentos arquivos, mas espaços claros. O gabinete de história e o jardim expõem as coisas em quadro.  sentido: a visão
Jardins  Paralelamente ao progresso da ciência no século XVIII, os jardins ingleses proliferam-se celebrando a “Bela Natureza” - duas maneiras opostas e complementares de aprender a natureza. O jardim funcionava como um microcosmo em que a Terra inteira e se encerra (...) Todos os lugares, todas as épocas, todas as arquiteturas estão nele. No jardim a natureza é domada porém é conservada - “O instante eterno.” O jardim é uma região de memória (STAROBINSKI, 1994, p. 221).
Rosseau no livro Nova Heloísa diz “não vejo em nenhum lugar o menor traço de cultura ... não vejo sequer um passo de homem, a idéia de ilha deserta que o jardim lhe dá”. Rosseau prefere retornar os homens que a natureza. O cap. Idílio Impossível STAROBINSKI diz  Natureza o lugar tradicional do idílio torna-se o lugar do conflito: o desenvolvimento da técnica, os exploradores, os proprietários de terras contra filósofos, artistas.
Tanto em relação à ciência quanto à história da natureza o sentido que guia o conhecimento é a vista. Diderot diz que no século XVIII um cego pode ser geômetra, mas não será naturalista.
Em síntese, o conhecimento no século XVIII é ordenação - Máthêsis, taxonomia, gênese - juízo, ordenação quantitativa e articuladora dos objetos, ordenação cronológica.
Voltando à VISÃO FIEL, o Universo, no processo de apropriação pelas imagens: desenhos, pinturas, e arrolado em espécies, indivíduos como no olhar do naturalista e do proprietário diz STAROBINSKI. Essa imitação da natureza é considerada trabalho mecânico e não arte. “Não basta imitar pacientemente a natureza é preciso que o objeto fale ao nosso sentimento” .


Conceito de Natureza na Arte
Convivem no século XVIII, dois conceitos de natureza. O conceito de natureza como expressão ideal, não individual onde a beleza é a perfeição figurada e visível na matéria. Há, ainda, o conceito de natureza que tende a imperfeição de cada espécie, para cada objeto. Não é o tipo central que será o testemunho da intenção criadora da natureza é o indivíduo ou o monstro.
Mas, prevalece a noção de uma natureza como uma intenção que visa criar diferenças, e não tipos específicos. Não há criador superior ao poder criativo da natureza. Neste sentido, o homem objeto central do conhecimento a partir de então participa “das intenções permanentes da natureza”
Goethe afirmava que o artista é o agente através do qual a natureza procura produzir suas obras primas. A arte é o meio pelo qual a fugaz beleza natural torna-se forma durável.
A arte é atividade sintetizante guiada pelo pensamento que tornava visível uma realidade abstraída de nossa percepção diz STAROBINSKI. Por isso, a obra de arte não deveria ser nem uma replica exata do sensível, nem uma invenção arbitraria. Não se preocupa com a idealidade do seu objeto representado pela preocupação com o ato criador e o poder de construir coisas belas. A verdadeira singularidade reside na consciência do artista. A liberdade do criador deve coincidir com a necessidade universal. A arte é o prolongamento humano de uma fecundidade cósmica.
Ao gênio é atribuída a responsabilidade de acrescentar o mundo ao mundo habitual. Kant diz “O gênio é a disposição nata do temperamento através do qual a natureza impõe uma regra a arte” (O artista criador de uma realidade sem precedentes vai reivindicar autonomia). Na Alemanha se diz que se passa com facilidade do gênio ao demoníaco (A questão dizia respeito se o fato deste não respeitar regras conduzia sempre à liberdade??). Por isso o conceito de gênio proclamado no século XVIII convive com a colocação de regras. De qualquer modo, o final do século irá renascer o mito de Prometeu, com o que a nele de esforço heróico e de revolta contra as prerrogativas da divindade. O gênio transmite vida àquilo que toca.
Na Enciclopédia (discurso preliminar de D’Alembert) “Memória, Razão e Imaginação” são as três faculdades do conhecimento humano. Razão e imaginação são filhas da memória. A organização de sua arvore enciclopédica obedece ao processo natural das operações do espirito.
A imaginação depende da razão porque antes de criar o artista concebe/pensa. Na criação de objetos, a imaginação depende da memória, porque somente imagina objetos semelhantes aos que conhece (idéias e sensações).
As Belas Artes são produtos da imaginação. Na imitação da natureza, a invenção está sujeita a regras, que formam principalmente a parte filosófica das Belas Artes. A invenção mesmo é obra do gênio, que prefere criar a discutir. Incompatibilidade entre conteúdo e prática.
A imaginação no século XVIII não é mais o lugar do erro (semelhança), nem sequer a louca da casa desde que siga regras de utilidade e bom-senso. “A veemência é loucura”.
A imaginação são colocados limites desde de regras ao desvio destas: “Quanto mais longe da semelhança mais próximo de excelência”.

Arte Como Imitação da Natureza
A mimese não era um conceito unanime no século XVIII: Conceito recuperado no século XVII, teorizado por Aristóteles diz que a arte imita a natureza.
As “Belas Artes” estão situadas na prática que toma suas leis do gênio. Dando assim certa preeminência as artes mecânicas sobre artes liberais. Diderot prefere a pratica, pois esta apresenta dificuldades, propõe os fenômenos - teoria explica os fenômenos e elimina as dificuldades.
SHAFTESBURG - (Doutrina aliava empirismo e platonismo) tinha a idéia que arte é criação e não imitação. O artista é considerado um outro criador, um Prometeu.
VICO abandona o conceito de mimese e explora o conceito de fantasia, atividade especifica do fenômeno artístico, irá considerá-la como fonte de criação poética.
A mimese do classicismo racionalista do século XVII não era uma imitação naturalística, mas antes uma poética de cunho idealista. O importante não é o naturalismo da natureza (empírico, tangível, pitoresco), mas seu sentido intimo, profundo, o qual reflete uma natureza humana idealizada. Em BOILEAU (século XVII) o modelo é a forma bem sucedida.” ... de uma palavra bem colocada reduziu as musas as regras do dever” diz um texto.
Para Diderot, (se a natureza não é Deus) a imitação procede da natureza, mas no entanto não se deve imitar a verdade, mas o verossímil. Deve-se escolher da natureza o que vale a pena ser reproduzido. O trabalho do artista é, pois, tornar belo o mundo sensível pela transformação de um modelo ideal captado do real, na natureza.
A concepção de Diderot afasta-se da concepção determinista da mimese, para afirmar que a arte é seleção, e busca de um ideal guiado pela sensibilidade do artista.  que são responsáveis pela beleza da obra de arte.
“A natureza que os homens percebem com os sentidos, apreende com o intelecto e transformam com a ação”.
STAROBINSKI diz, então, que o idealismo clássico vai ser repensado, modificado, em sua acepção intelectualizante e orientada num outro sentido.


(1751) D’Alembert no discurso Preliminar (pág. 41)
A imitação da natureza tão conhecida e recomendada pelos antigos é a imitação dos objetos capazes de excitar em nós sentimentos vivos e agradáveis consiste em geral, na “Bela Natureza”. Sobre ele tantos autores escreveram sem dar uma idéia precisa, seja porque a bela natureza só é percebida por um espirito refinado, seja também porque nesta matéria os limites que distinguem o arbítrio verdadeiro não estão bem fixados e deixam algum espaço livre à opinião” Continua D’Alembert na arquitetura e imitação da “Bela Natureza” é menos impressionante... A arquitetura limita-se a imitação pela agregação, pela união de diferentes corpos que usa a disposição simétrica da natureza que contrasta com a variedade do conjunto. (Discurso Preliminar pág. 43)
Milizia (1781) - Diz que a arquitetura é uma arte de imitação como são todas as artes. A diferença é que as últimas têm, em alguns casos, um modelo natural sobre o que basear seu sistema de imitação. A arquitetura carece deste modelo, mas a indústria natural dos homens ofereceu um modelo alternativo quando construíram seus primeiros alojamentos. O método que Milizia propunha era a imitação “para nosso uso e para fazer uma seleção de partes naturais perfeitas, que constituem um conjunto perfeito, como não se pode falar em natureza. A natureza nunca forma um conjunto perfeito” (para ele). Os produtos perfeitos surgem das escolhas feitas pelos homens de gosto e de talento.
Estes escolhem e combinam do modo mais adequado para seu objeto, e forma com ele um todo medido que chamamos “Bela Natureza”. Para Milizia os períodos de decadência da arquitetura adotou a dificuldade de reconstruir este modelo original, princípios gerais, constantes, e positivos

A Bela Natureza
A bela natureza não tem obrigação de produzir conhecimento; é o livre jogo da imaginação e o entendimento. É a própria experiência do prazer estético. Kant diz que é como se a natureza manifestasse a presença das marcas da arte. Tanto a cabana primitiva de Laugier e a bela natureza de Milizia (eram produtos de imaginação)
O papel dos antigos  STAROBINSKI, lembra que na relação-oposição entre ideal e sensivel, as buscas dos “modelos” nem sempre passavam pela natureza. Alguns persuadidos que os antigos foram os únicos a perceber o ideal, fazem deles seus mediadores.
Winckelmann diz que o estudo da natureza é complexo. O estudo, a síntese, a escolha já foram feitos pelos antigos. Os modelos gregos eram os mais belos, fizeram a síntese na sua arquitetura de traços dispersos na natureza. E não se contentaram em representar a natureza, criaram uma outra, a beleza mítica (deuses).



Vida, Critica e Conhecimento
No século XVIII, as poéticas, assim chamadas devido seu anti-historicismo e anti-estilismo, são produto da confrontação entre natureza e cultura do seu tempo.
As pesquisas filosóficas desde o século XVII resultaram na separação entre conteúdo e pensamento da obra artística da forma artística propriamente dita.
A arte era subentendida como um conjunto de recursos que poderia obter efeitos num público delimitado socialmente (Ribon). Este aspecto retórico da arte fez com que o estilo alcançasse um valor em si mesmo no século XVIII. Num 1o. momento o decoro transforma-se num jogo de truques: Rocaile, Luis XIV, Luis XV.
Por outro lado, posteriormente, a história marcada por uma “tensão imanente” permite a convivência de Barbarie e cultura.
O gótico sobrevive, considerado bárbaro e poético. O prazer negro encontra sua forma. É confronto do nacional pelo universal iluminista. Nos jardins, “o universo reunido” modelos chineses, góticos, egipicios, clássicos convivem com conchas, pedras, formas orgânicas. O capricho da invenção orgânica contra a força e finalidade do sublime.
As poéticas que surgem (sublime e pitoresco) se devem a convicção de que preceitos estabelecidos racionalmente, deveriam, ao mesmo tempo, controlar e dirigir as tendências espontâneas do artista - seguindo limites prescritos tanto da realidade externa (natureza/cultura) quanto interior (natureza humana)
STAROBINSKI diz que o público exigia verossimilhança nos quadros e desenhos. Os salões do Louvre oferecem ocasião para julgar, discutir. Vê-se nascer a critica de arte: uma livre apreciação do mérito das obras formuladas por amadores esclarecidos. Até então as academias haviam atribuído a si próprias o direito do juízo artístico (1737). Diderot transforma a critica num gênero literário.
Para ele o critério da verdade era a experiência. Afinal a própria arte está no reino da experiência é por esta que o critico deve se orientar - deduzir no exame das obras aquilo que é seu fundamento comum (a natureza humana).
STAROBINSKI, Jean. A Invenção da Liberdade. São Paulo: EdUNESP. 1994.
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995
D’ALAMBERT. Discurso Preliminar da enciclopédia.

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