sexta-feira, 16 de maio de 2008

Arquitetura na época do funcionalismo (Introdução)

In Argan, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992

A Primeira Guerra Mundial determinou uma diminuição no ritmo da construção civil, tão florescente na primeira década do século. Na retomada, os construtores se encontraram diante de uma situação social, econômica e tecnológica profundamente modificada. A guerra acelerou por toda parte o desenvolvimento da indústria, tanto em sentido quantitativo quanto no sentido do progresso tecnológico. Em decorrência disto, houve um grande crescimento das populações urbanas.
A classe operária, cons­ciente de ter contribuído e sofrido com o esforço bélico mais do que qualquer outra, vai adquirindo peso político decisivo. Além disto, a revolução bolchevique demonstrou que o proletariado pode conquistar e manter o poder. Na arte, com movimentos experimentais e de vanguarda, ela pôde realizar uma transformação radical não só da estrutura e da finalidade, como também da figura social do artista. A burguesia profissional, por sua vez, está se transformando em classe de técnicos dirigentes.
Devido às mudanças quantitativa e qualitativa de seus conteúdos e dinamismo funcional, como também ao crescente desenvolvimento da mecanização dos serviços e trans­portes, a estrutura da cidade já não responde às exigências sociais.
O problema urbanista, que antes da guerra se apresentava como prefiguração quase utópica de uma situação que ocorreria no futuro, agora se apresenta com extrema gravidade. Possui:
ü um aspecto funcional: a cidade é um organismo produtivo, um aparelho que deve desenvolver certa força de trabalho e, portanto, precisa se libertar de tudo o que emperra ou retarda seu funcionamento;
ü um aspecto social: a classe operária é a partir de agora o componente mais forte da comunidade urbana, já não podendo ser considerada pelo critério de um instrumento manobrável e irresponsável;
ü um aspecto higiênico, no sentido fisiológico e psicológico: a cidade-fábrica é insalubre devido às emanações que a invadem e à densidade da população. É também um ambiente opressor, psicologicamente alienante;
ü um aspecto político: para proporcionar à cidade certo coeficiente de agilidade e funcionalidade é necessário ti­rá-la das mãos de quem a explora simplesmente em benefício próprio. O que impediu e ainda hoje impede a adequação da estrutura à função urbana, e é a causa primeira da desordem das cidades, é a especulação imobiliária;
ü enfim, um aspecto tecnológico: não só a tecnologia industrial substitui a técnica artesanal das construções, como também, se o problema da arquitetura é colocado em escala urbanista e, portanto, de construção civil em série, tal problema não pode ter solução fora da tecnologia industrial.
Esse conjunto de fatores modifica radicalmente a figura profissional do arquiteto: antes de ser um construtor, deve ser um urbanista, projetar o espaço urbano. Imediatamente se de­termina uma nítida distinção entre os inúmeros oportunistas que se põem a serviço da especulação imobiliária e ajudam a piorar as condições da cidade, e os poucos conscientes de sua função, sua responsabilidade, sua dignidade de profissionais ou técnicos, que tentam opor projetos de utilização racional à exploração descontrolada dos terrenos. Já não se trata da velha distinção entre empíricos e teóricos, entre artistas e engenheiros, mas sim de uma distinção de ordem moral, segundo a qual os arquitetos que colocam concretamente o problema funcional da cidade são os únicos a empreender uma livre pesquisa e a alcançar resultados esteticamente válidos.
Se os oportunistas a serviço do capital imobiliário visam à exploração do solo urbano segundo os procedimentos operativos tradicionais, opondo-se aos novos métodos de projeto, às novas tecnologias e às novas formas arquitetônicas (exceto por imitá-las banal e superficialmente, quando entram em moda), essa sua oposição não nasce, como no passa­do, de um verdadeiro apego às tradições. No século XX, sempre que se ouve falar na necessidade de defender a "tradição clássica" da arquitetura, pode-se ter a certeza matemática de que se está falando de má fé, e de que o que se pretende defender é o direito à exploração especulativa indiscriminada, em detrimento do dever de utilizar funcionalmente o solo e o aparato urbano. O classicismo adotado como arquitetura oficial do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha não tem o menor fundamento na arquitetura clássica, pressupondo, pelo contrário, uma total ignorância desta.
A luta pela arquitetura moderna foi, por conseguinte, uma luta política, mais ou menos inserida no conflito ideológico entre forças progressistas e reacionárias. Prova-o fato de que, lá onde as forças reacionárias tomaram o poder e sufoca­ram as forças progressistas (com o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, o predomínio da burocracia de Estado sobre os movimentos revolucionários na URSS), a arquitetura moderna foi reprimida e perseguida. Se desenvolveu, em todo o mundo, segundo alguns princípios gerais: l) a prioridade do planejamento urbano sobre o projeto arquitetônico; 2) o máximo de economia na utilização do solo e na construção, a fim de poder resolver, mesmo que no nível de um "mínimo de existência", o problema da moradia; 3) a rigorosa racionalidade das formas arquitetônicas, entendidas como deduções lógicas (efeitos) à partir de exigências objetivas (causas); 4) o recurso sistemático à tecnologia industrial, à padronização, à pré-fabricação em série, isto é, a progressiva industrialização da produção de todo tipo de objetos relativos à vida cotidiana (desenho industrial); 5) a concepção da arquitetura e da produção industrial qualificada como fatores condicionantes do progresso social e da educação democrática da comunidade.
No âmbito do que podemos chamar de ética fundamental ou de ontologia da arquitetura moderna, distinguem-se diversas formulações problemáticas e diversas orientações, ligadas às diversas situações objetivas, sociais e culturais. Assim, podem-se distinguir: l) um racionalismo formal, que possui seu centro na França e tem à frente Le Corbusier; 2) um racionalismo metodológico-didático, que possui seu centro na Alemanha, na Bauhaus, e tem à frente W. Gropius; 3) um racionalismo ideológico, o do Construtivismo soviético; 4) um racionalismo formalista, o do Neoplasticismo holandês; 5) um racionalismo empírico dos países escandinavos, que tem seu máximo expoente em A. Aalto; 6) um racionalismo orgânico americano, com a personalidade dominante de F. L. Wright.







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