quinta-feira, 20 de março de 2008

ARQUITETURA DA ILUSTRAÇÃO

Etiene-Louis Boullé ‑ 1728-1799
Aluno de J. François Blondel, aprende com ele formas do classicismo francês. Com Jean Legay aprende todo um mundo da imaginação e novas possibilidades da história.
Crítica a academia
História, para Boullé é o conjunto de estudos que versam sobre a origem das ordens ‑ fonte do bom gosto. Boullé é contra as proporções estabelecidas por estas ordens, como também o uso de um edifício regulado por um programa ‑ define novas opções, o caráter. Seus projetos questionam a norma, mas mantém a ordem, não a ordem geométrica, mas a classificatória ‑ organização entre coisas.
A contestação da norma clássica, não busca criar novos códigos, trata os elementos como observados na natureza pelo homem. propõe não o estudo dos mestres mas a meditação sobre a própria natureza ‑ a base do estudo.
Questiona a história como material da arquitetura, para ele é um elemento de reflexão. O problema para ele é qual é o papel o projeto desempenha no seu tempo. Para ele o projeto é o centro da definição das normas.
A argumentação sobre a linguagem torna-se o eixo do raciocínio: “É mais importante saber o nome das coisas do que saber o que estas são”.
Os problemas de projeto para Boullé:
· Explicar como se identifica os elementos e como destacá-los da natureza.
· Definir a linguagem que utiliza.
· Arquitetura não é arte de construir, mas a arte de conceber. Boullé vê ambigüidade nos termos de Vitrúvio: utilitas, firmitas e venustas, distingue concepção de execução, meios e o fim. Distingue arte e ciência (cf. Diderot abaixo).
Influência de Condillac que estuda a origem do conhecimento do homem, a lógica das sensações que são a base da formação do conhecimento ‑ sensação / experiência.
Reflexo de Diderot que define que a execução de um objeto caracteriza-o como produto da arte, e se este é apenas observado, sob diversos pontos de vista, o processo é denominado ciência.
Quando Boullé diz que arquitetura não é arte de construir, porém a arte de conceber imagens, de desenvolver formas que sintetizam idéias, para ele estas não provém da simples vontade, mas do embate com as forças que agem no problema. Concebe-se as imagens mediante a pesquisa, busca-se um esquema genérico comum entre objetos comparados ‑ o tipo. O raciocínio analítico funciona por meio da comparação, Condillac chama de síntese. A busca da norma (tipo) não se estabelece por normas, mas no processo de análise das idéias. O elemento mais simples é o mais perfeito, o corpo puro é o mais perfeito.













Foucault em as “Palavra e as Coisas” fala sobre a mudança do estatuto do saber neste período (séc. XVII-XVIII), que propõe a análise como método universal, os exemplos vêm das ciências naturais, para Buffon a pesquisa define tipos de plantas, de montanhas, de nuvens, etc. O problema da percepção tem como paradigma Newton que define a lei da gravidade a partir da percepção da natureza. Starobinsk, relata que o olhar é o sentido do século XVIII, “O historiador é aquele que narra fatos, a partir do que vê”.
A linguagem é o mesmo que caráter, assim o significado deve aparecer na forma. Boullé diz que ao olhar um objeto, o primeiro sentimento experimentado “é de que maneira o objeto nos afeta”. Denomina de caráter “o efeito que resulta deste objeto e que o que causa em nós uma determinada impressão”
“Introduzir caráter em uma obra é empregar com equidade todos os meios próprios para fazer-nos experimentar sensações além daquelas que devem resultar do tema”. (Boullé, p. 67).
Para Boullé a arte é símbolo, a arquitetura deve falar, daí a definição de arquitetura parlante. Para Boullé, a arquitetura não é relativa ao espaço em que se situa, é uma forma do pensamento sobre uma natureza informe e irracional. O pensamento que se manifesta na forma é social e político, é humano, por isso deve ser geométrico e regular, a natureza está repleta de coisas informes. A regularidade geométrica fala, enquanto o disforme é mudo.
Adota-se o uso da razão para apreender das coisas aquilo que é absolutamente necessário, a regularidade adquire um novo sentido em Boullé:
“Tive que reconhecer que somente a regularidade poderia dar as pessoas idéias nítidas acerca da figura dos corpos e determinar sua denominação (...) Composta por uma multitude de caras, todas diferentes, a figura dos corpos irregulares (...) escapa a nosso entendimento”. (Boullé, Ensaio sobre a Arte, p. 56).

A arquitetura de Boullé se coloca no espaço natural como elemento dotado de significação própria.
Influência da “Querela entre os Antigos e Modernos” na arquitetura da Ilustração.
A posição relativa a história de Boullé resulta da “Querela entre os antigos e modernos” em meados do séc. XVIII. Nesta estava em jogo a definição da verdade da natureza dos estilos. Para os antigos a história têm um valor mítico, enquanto para os modernos a história é processo que muda os costumes, o gosto, os estilos.
O resultado desta disputa entre os “antigos e modernos”:
· A distinção das ordens clássicas da ordem como estrutura da arquitetura
· A definição de um aspecto permanente, absoluto, estrutural da arquitetura, e de um aspecto contingente, costume, linguagem, estilo.

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Claude-Nicolas Ledoux (n. 1736)
Também foi aluno de Blondel, mas não o seguiu como fez Boullé. Construi seu percurso fora do racionalismo francês, com influência de Rousseau, também não foi a Roma como seus colegas, centrou-se no estudo de Paris.
Ledoux x Rousseau
Rousseau, de seu mote de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe, passa em seus escritos da denúncia do mal social à proposição dos remédios. Deste modo, “como a sociedade afastou-se da natureza, não seria o caso de voltar a ela, mas por um processo de desnaturação recompor as qualidades perdidas” (educação). Como Rousseau, Ledoux sonhava em encontrara as bases de uma moral natural de educação, e foi buscar em sua ética pessoal o modelo de uma moral universal (Vidler, p. 11).
Rousseau é perseguido na França devido suas idéias não possuírem cientificidade e sua aparente hostilidade ao progresso. É contemporâneo de Ledoux e os dois têm em comum a proposição de um estreito contato com a natureza. A natureza é o lugar do idílio, para eles que manifestam um amor ativo em relação à natureza. Os seus objetivos não são reformar a natureza, mas os homens. Conformam-se que a natureza tende a imperfeição de cada espécie, objeto. Assim para Ledoux, ao contrário que Boullé, não é o tipo central que testemunha a intenção criadora, mas o indivíduo. Para Ledoux o homem participa das intenções permanentes da natureza. Boullé crê numa natureza-objeto, calculável, mecânica ‑ de ordem científica, e situa arte como expressão ideal.
Arquitetura autônoma
A referência primeira de Ledoux é a arquitetura clássica, não a mítica grega mas a romana civil, sua metodologia de comparação é moral e laica. Não desfez-se de Vitrúvio, antes adotou particularmente palavras chaves acadêmicas deste: salubridade, ordenação, simetria, proporção, conveniência. O contato com a estética sensualista de seu tempo leva a afirmação dos termos: caráter, contraste, variedade; e de termos decorrentes das novas exigências práticas: distribuição e necessidade[1].
Ledoux se coloca contra a unidade barroca, cuja supressão de uma parte destrói o conjunto. Propõe a autonomia dos elementos volumétricos, o sistema de pavilhões, que não são partes, mas elementos independentes. A parte é livre no marco definido como todo. “O todo é um embuste”.
Até mesmo a representação de seus projetos é analítica. A perspectiva (axonométrica) encontra-se sobre uma decomposição analítica do objeto em planta, seção e elevação.
A cidade da salinas de Chaux é um projeto em que propõe a dissolução da unidade barroca, os diferentes edifícios aparecem desligados. Utiliza os sistema dos pavilhões, o edifícios são dispostos segundo pontos de vista prático. O centro da cidade, localizado no centro do desenho, não é pensado do ponto de vista plástico espacial, ergue um edifício no centro. Um espaço barroco tentaria envolver o vazio em muros. Ledoux exalta o volume em detrimento do espaço.
Os materiais têm leis próprias, pedra aparece como pedra, em sua condição natural e valor. Propõe uma arquitetura da produção (Vidler). Para Ledoux “Ao arquiteto corresponde a vigilância do princípio, pode ativar os recursos da indústria, velar pelos produtos, evitar empreendimentos onerosos, pode fazer aumentar os tesouros graças a combinações nas que a arte é pródiga”.


La Saline royale d'Arc-et-Senans






Teatro Besançon







Boullé e Ledoux: "a forma é pura"
Tanto Boullé quanto Ledoux defendem que a “forma é pura”, esse formalismo geométrico é bastante distinto da ordenação geométrico-matemática da perspectiva. O problema da regularidade explica essa diferença, em parte, a resposta coloca-se na explicação do sentido que possui o espaço constituído por formas regulares.
Na arquitetura da Ilustração o princípio da proporcionalidade é substituído pelo domínio de um princípio formal e visual radicalmente novo, contrapondo a ordem de valores numérico-proporcionais e harmônicos da ordem clássica com os volumes, principalmente o cubo, que se torna uma unidade espacial modular reprodutível, como um standard de princípio construtivo-racionalizador (abstrato). Robert Morris elabora na Inglaterra um método de estudo das qualidades da arquitetura, baseado na compreensão dos princípios compositivos reguladores através da combinação de cubos horizontal e verticalmente.

Contra o valor de semelhança que a perspectiva tem com a realidade, o cubo é mais regular, abstrato, simbólico (convencional) e imutável. Ocorre uma decomposição do espaço na ilustração, ou seja, uma prevalência do volume em relação à experiência (contato) com o espaço própria do renascimento. Pode-se remeter essa transformação às formulações de Kant que pensa no espaço enquanto uma forma a priori da intuição. Uma forma de nos localizarmos no mundo.
Para Boullé, a regularidade é a primeira lei, é a que estabelece os princípios construtivos da arquitetura, seu valor artístico consiste em que a “regularidade e simetria são a imagem da ordem”. Boullé ainda argumenta que a analogia, variedade e harmonia, em relação à simetria devem ser necessariamente deduzidas da imagem de ordem, e “o domínio da simetria deve comportar tudo o que compraz a nossos sentidos”.

[1] A definição da enciclopédia era que arquitetura era a arte de embelezar a necessidade, nunca foi bem aceita por ser superficial, traduzida como “máscara embelezada”. Os arquitetos responderam que a arquitetura era distribuição (adaptação funcional) e o Abade Laugier (figura Cabana Primitiva, abaixo), retornando às fontes da arquitetura, propõe a integridade estrutural como definição. Outros ao promoverem uma linguagem das formas, centram-se no problema do caráter.



Referências:

BOULLÉ, E. L. Ensaio sobre a Arte.


D'AGOSTINO, Mário Henrique Simão - "As prímicas da cordem" (xerox)
KAUFMANN, Emil - De ledoux a le corbusier - Colección punto e línea

PAUSE, Michael; CLARK, Roger H.. Precedents in Architecture. New Yok: Van Nostrand Reinhold Company, 1985

STAROBINSKI, Jean. A Invenção da Liberdade. São Paulo: EdUNESP. 1994.

Anthony Vidler, 1987. Ledoux. Madrid, 1994.

ver também trabalho feito por Pedro Fonceca em THAU2:



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