sábado, 29 de março de 2008

O Olho

Texto extraído do livro
MOTTA, Flávio. Textos Informes.
Páginas 16 a 18. FAUUSP, 1973.

A obra de arte é uma obra que nós fazemos para só depois sabermos, mais completamente, como fizemos. E, às vezes, até isto não conseguimos de imediato. Depois, muito depois, sim, pode ser.
Quer dizer: com o tempo ela mostrará aquilo que no momento não mostra. Não que esconda.
Mas não se vê porque o olho, como o corpo inteiro, ainda não está para ver tudo. Isso é para dizer que existe o olho da História.
Se a obra de arte fosse um saber que já se soubesse como, era uma repetição. E daí, não... Cada obra de arte tem seu fazer, sua técnica. Pode ser parecida com outras. Mas ela é, sempre, uma técnica nova que é a totalidade dos procedimentos que elaboram para uma situação nova.
Essa situação nova já é um começo para perceber melhor, até sempre, um mais adiante, quando então se dá conta do melhor que se queria. Mas, nesse instante, que a História nos devolve como ponto de chegada, de conhecimento, é um ver que vem de muitos. Sozinho se percebe muito pouco. A gente vê como já se disse, “com o corpo inteiro”, porém, muito mais ainda, com a visão de muitos outros. Isso para dizer também que existe o olho da Sociedade. E como a Sociedade pode ser vista como seres humanos, juntos, transformando a natureza da qual são parte, ao artista que faz, faz para o que faz do jeito que faz, sem que os outros saibam que aquilo que este está fazendo é também o resultado da maneira de ver a vida com os outros, como ela se faz desejada e continuada. Daí para frente, sempre aquilo que parecia isolado se encontra. As maneiras de fazer podem parecer, então, semelhantes ou coincidentes. E alguns chamam isso de patrimônio técnico ou científico. Inocentes, chamam então os inocentes e mostram como as coisas se fazem como foram feitas e CONTAM OS SEGREDOS DOS DEUSES. Ensinam tudo. Ensinam... Não! Contam, até como é o amor. Mostram que para fazer, há milhares de anos a natureza usa técnicas semelhantes. Mas fazendo é que o homem percebe as diferenças e que nada é natural. Pelo contrário. Tudo acontece como se nunca tivesse acontecido, porque, mesmo nas formas mais antigas de relação, é através do social que as pessoas encontram as companhias. Ademais, isso resulta que tem sempre um a mais. E, quanto mais gente, mais o homem mostra o que ainda não conheceu – encontro melhor do sucessivo com o simultâneo.

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