terça-feira, 4 de março de 2014

Ensaio sobre a Arquitetura / Marc-Antoine Laugier

texto em Arch Daily
Existem vários tratados de arquitetura que desenvolvem com bastante exatidão as medidas e as proporções arquitetônicas, que entram nos detalhes das distintas ordens e que provêm de modelos para as distintas formas de construir. Porém não existe ainda nenhuma obra que estabeleça solidamente os princípios da arquitetura, que manifeste seu verdadeiro espírito e que proponha regras adequadas para dirigir o talento e definir o gosto. Entendo que nas artes que não são puramente mecânicas não basta saber trabalhar, é importante sobretudo aprender a pensar. Um artista tem que poder dar-se a si mesmo razão de tudo o que faz. Para isso, necessita de princípios fixos que determinem seu juízo e justifiquem sua eleição; de modo que possa dizer que uma coisa está bem ou mal não só por instinto, senão por meio da razão e como homem instruído nos caminhos do belo.
Avançou-se bastante em quase todas as artes liberais. Um grande número de pessoas com talento dedicou-se a nos fazer apreciar suas sutilezas. Escreveu-se, com grande conhecimento, sobre poesia, sobre pintura, sobre música. Aprofundou-se tanto nos mistérios destas artes engenhosas que restam poucos descobrimentos por fazer neste campo. Possuímos preceitos refletidos e críticas judiciosas que determinam sua verdadeira beleza. A imaginação possui guias que a dirigem e freios que a retém nos limites. Podemos apreciar com exatidão tanto a excelência de seu engenho como a desordem à que levam seus extravios.  Se não tivéssemos bons poetas, bons pintores ou bons músicos, não seria absolutamente por falta de teoria, mas por falta de talento.
Só a arquitetura foi abandonada, até agora, ao capricho dos artistas, que estabeleceram seus preceitos sem discernimento. Fixaram as regras ao azar, baseando-se apenas na análise dos edifícios antigos. Copiaram seus defeitos com tanto escrúpulo como suas belezas: desprovidos de princípios que os permitissem apreciar a diferença entre uns e outras, se viram confinados a confundi-los; servis imitadores, declararam como legítimo tudo o que foi autorizado com exemplos; limitando todas suas investigações a consultar o fato, concluíram equivocadamente sua legalidade e, deste modo, suas lições não foram mais que uma fonte de erros.
Vitrúvio, na realidade, só nos ensinou o que praticava em sua época, e ainda que nele se vislumbre o fulgor que anuncia uma inteligência capaz de penetrar nos verdadeiros mistérios de sua arte, não tenta em absoluto rasgar o véu que os cobre, e afastando-se sempre dos abismos da teoria, nos conduz pelos caminhos da prática, que mais de uma vez nos distanciam da meta. Todos os modernos, à exceção do Sr. Cordemoy, se limitam a comentar Vitrúvio e a segui-lo com confiança em todos os seus erros. Digo à exceção do Sr. Cordemoy, pois este autor, mais profundo que a maioria, advertiu a verdade que se ocultava aos demais. Seu tratado de arquitetura é extremamente breve, mas contém princípios excelentes e pontos de vista extremamente meditados. Haveria podido, desenvolvendo-os um pouco mais, extrair conclusões que haveriam iluminado as obscuridades desta arte e que haveriam desenterrado as fastidiosas incertezas que fazem que suas regras pareçam arbitrárias.
É pois de se esperar que algum grande arquiteto tente salvar a arquitetura da excentricidade das opiniões, descobrindo suas leis fixas e imutáveis. Toda arte, toda ciência, tem um objetivo determinado. Para chegar a este objetivo, não todos os caminhos são igualmente bons; há apenas um que leva diretamente à meta, e é este caminho único o que há que conhecer. Em todas as coisas há apenas uma maneira de obrar bem. O que é a arte senão esta maneira, assentada nuns princípios evidentes e posta em prática mediante preceitos invariáveis?
Enquanto esperamos que alguém, muito mais capacitado que eu, se encarregue de ordenar o caos das regras da arquitetura, para que já não reste nenhuma à qual não se possa dar uma razão sólida, eu tentarei lançar um leve raio de luz. Ao observar atentamente nossos maiores e nossos mais belos edifícios, minha alma experimentou impressões diferentes em cada ocasião. Às vezes, o encanto era tão intenso que produzia em mim um prazer mistura de êxtase e entusiasmo.  Outras, sem me sentir tão fortemente arrastado, me sentia satisfatoriamente pleno, era um prazer menor, no entanto um verdadeiro prazer. Frequentemente, permanecia completamente insensível, muitas vezes, também, me sentia enfastiado, chocado, revoltado. Meditei muito sobre todos esses distintos efeitos. Repeti minhas observações até que me assegurei de que os mesmos objetos causavam em mim sempre as mesmas impressões. Consultei o gosto de outros e, submetendo-os à mesma prova, encontrei que as impressões que experimentava eram as mesmas que eles sentiam, com maior ou menor vivacidade segundo os diferentes temperamentos que a natureza os havia outorgado. A partir disso, deduzi: 1º. Que na arquitetura existe uma beleza absoluta, independente do costume e do preconceito humano. 2º. Que a criação de um elemento arquitetônico é, como sucede em todas as obras do espírito, suscetível à frieza e à vivacidade, à perfeição e à desordem. 3º. Que tem que haver para esta arte, como para todas as demais, um talento que não se adquire, uma capacidade de gênio que a natureza outorga, e que este talento, este gênio, tem, entretanto, que se submeter a umas leis e ser governados por elas.
Meditando repetidamente sobre as distintas impressões que me causavam as diferentes obras arquitetônicas, quis aprofundar na causa destes efeitos. Pedi conta dos meus sentimentos a mim mesmo. Quis saber por que uma coisa me entusiasmava e outra eu apenas gostava, por que esta não possuía para mim nenhum encanto e aquela me resultava insuportável. Esta busca, a principio, só me ofereceu escuridão e incertezas. Não me desanimei, penetrei no abismo até que acreditei descobrir o seu fundo, não deixei de perguntar à minha alma até que me deu uma resposta satisfatória. De repente, caiu sobre meus olhos uma imensa luz. Vi claramente objetos onde antes só percebia nuvens e neblina. Apoderei-me destes objetos com ardor e, mediante sua luz, vi desaparecer pouco a pouco minhas incertezas e se desvanecer minhas dificuldades. Finalmente, alcancei o estado em que pude provar a mim mesmo, através de princípios e consequências, a inevitabilidade destes efeitos cujas causas desconhecia.
Este é o caminho que segui para me satisfazer. Pareceu-me que não seria inútil compartilhar com o público o êxito de meus esforços. A arquitetura ganharia infinitamente apenas com o fato de haver incitado os meus leitores a comprovar se não me deixei enganar, a criticar severamente as minhas conclusões, a procurar por si mesmos aprofundar ainda mais neste mesmo abismo. Posso dizer sinceramente que minha principal intenção é dar lugar para que o público e sobretudo os artistas duvidem, conjeturem, não se contentem facilmente. Afortunado serei se os induzo a uma busca que os coloque numa situação de me encontrar em falta e de corrigir minhas inexatidões, assim como de ir além em minhas reflexões.
Isto não é mais que um ensaio no qual unicamente estabeleço algumas indicações e abro um caminho, deixando a outros o cuidado de dar aos meus princípios toda a sua extensão e toda sua aplicação, com uma inteligência e uma sagacidade das que eu não seria capaz.  Nele digo o suficiente para prover os arquitetos de regras fixas de trabalho e meios infalíveis para alcançar a perfeição. Tentei ser o mais inteligível possível. Não pude evitar empregar com frequência termos de arte. Quase todos são bastante conhecidos. Em qualquer caso, no dicionário adjunto se encontrará a explicação de todos aqueles não suficientemente conhecidos pela maioria. Como meu principal propósito é formar o gosto dos arquitetos, evito todos os detalhes que podem ser encontrados em outra parte e, para tornar esta obra mais instrutiva, acrescentei, nesta segunda edição, um número de gravuras suficiente para mostrar ao leitor todos os objetos cuja simples descrição tivesse dado somente uma ideia imperfeita.
Introdução
A arquitetura é, de todas as artes utilitárias, a que exige as aptidões mais brilhantes e os conhecimentos mais amplos. Talvez seja necessário tanto gênio, espírito e gosto para formar um grande arquiteto como para formar um pintor e um poeta de primeira linha. É um erro crer que na arquitetura tudo se reduz à mecânica, tudo se limita a cavar fundações, a levantar muros; que com base em algumas normas convertidas em rotina, apenas se exigem olhos habituados a examinar um aprumo e mãos feitas para manipular a espátula.
Quando se fala sobre a arte de construir, montes confusos de escombros incômodos, imensas pilhas de materiais informes, um espantoso ruído de martelos, andaimes perigosos, um pavoroso conjunto de máquinas, um exército de operários sujos e cobertos de terra, isso é tudo o que vem à imaginação do vulgar; é o córtex pouco agradável de uma arte, cujos mistérios engenhosos que pouca gente aprecia, excitam a admiração de todos aqueles que os penetram. Eles descobrem inventos cuja ousadia supõe um gênio vasto e fecundo, proporções cuja serventia anuncia uma precisão severa e sistemática, ornamentos cuja elegância revela um sentimento delicado e requintado. Quem for capaz de captar tantas verdadeiras belezas, longe de confundir a arquitetura com as artes menores, se verá mais tentado a inclui-la no rango das ciências mais profundas. A visão de um edifício construído em toda a perfeição da arte provoca um prazer e um encantamento dos quais não é possível se defender. Este espetáculo revela na alma ideias nobres e tocantes. Ele nos faz experimentar essa doce emoção e esse agradável êxtase que excitam as obras que carregam a marca de uma autêntica superioridade de espírito. Um belo edifício fala eloquentemente por seu arquiteto. O Sr. Perrault, em seus escritos, é acima de tudo um sábio: a colunata do Louvre o define como um grande homem.
A arquitetura deve o que tem de mais perfeito aos gregos, nação privilegiada, a quem esteve reservado não ignorar nada sobre as ciências e inventar tudo nas artes. Os romanos, dignos de admiração, capazes de copiar os excelentes modelos que a Grécia os proporcionou, quiseram acrescentar algo próprio, e só conseguiram ensinar a todo o universo que quando o grau de perfeição é atingido, não resta mais que imitar ou decair. A barbárie dos séculos posteriores, depois de enterrar todas as belas artes sob as ruinas do único império que havia conservado o gosto e os princípios daquelas, deu origem a um novo sistema de arquitetura, que tendo as proporções ignoradas, os ornamentos bizarramente configurados e puerilmente amontoados, não ofereceu mais que pedras agrupadas, o informe, o grotesco, o excessivo. Esta arquitetura moderna (gótica) fez durante bastante tempo as delícias de toda a Europa. A maioria de nossas grandes igrejas está infelizmente destinada a conservar suas marcas para a mais distante posteridade. Digamos a verdade, apesar de seus inumeráveis defeitos, esta arquitetura teve suas belezas. Ainda que em suas mais magníficas produções reine uma torpeza de espírito e uma bruteza de sentimentos de todo lamentável, podemos não admirar a audácia de seus traços, a delicadeza do cinzel, o ar majestoso e a abertura que se aprecia em algumas peças que, por tudo isto, têm algo de desesperador e inimitável? Mas enfim, gênios mais afortunados souberam perceber nos monumentos da Antiguidade provas do equívoco universal e recursos para resolvê-lo. Capazes de saborear algumas maravilhas expostas em vão por séculos a todos os olhares, refletiram sobre suas proporções e imitaram seu artifício. À custa de pesquisas, de exames, de tentativas, acabaram por fazer renascer o estudo das boas regras e reestabeleceram a arquitetura com todos os seus antigos cânones. Abandonaram-se os ridículos caprichos do gótico e do arabesco para substitui-los pelos adornos viris e elegantes do dórico, do jônico e do coríntio. Os franceses, lentos em imaginar, porém rápidos em seguir as boas imaginações, invejaram a gloria italiana em ressuscitar estas magnificas criações da Grécia. Estamos rodeados de monumentos que testemunham o entusiasmo, que reconhecem o êxito dessa emulação de nossos pais. Tivemos nossos Bramantes, nossos Michelangelos, nossos Vignolas. O século passado, século em que, em tema de talento, a natureza espalhou entre nós, e talvez tenha esgotado, toda a sua fecundidade, produziu em arquitetura obras primas dignas das melhores épocas.  Porém, no momento em que tocávamos a perfeição, como se a barbárie não houvesse perdido todos os seus direitos entre nós, recaímos no baixo e no defeituoso. Tudo parece nos ameaçar enfim com uma total decadência.
Esse perigo que se torna dia a dia mais próximo, que nós podemos, contudo, prevenir ainda, me incita a oferecer aqui modestamente minhas reflexões sobre uma arte pela qual sempre tive muito amor. No desígnio que me proponho, não sou animado nem pela paixão de censurar, paixão que eu detesto, nem pelo desejo de dizer coisas novas, desejo que creio no mínimo frívolo. Cheio de estima por nossos artistas, dos quais vários têm uma habilidade reconhecida, eu me limito a comunicar-lhes minhas ideias e minhas dúvidas, das quais eu os suplico que façam uma avaliação refletida. Se ressalto como verdadeiros abusos alguns usos universalmente aceitos entre eles, não pretendo que eles se refiram unicamente à minha opinião que submeto de todo coração à sua judiciosa crítica. Peço apenas que eles queiram se despojar de certos preconceitos bastante ordinários, e sempre nocivos ao progresso das artes.
Que não digam que, não sendo do ofício, não sei falar deste com conhecimento suficiente; essa é seguramente a mais vã das dificuldades. Todos os dias julgamos uma tragédia sem haver jamais feito versos. O conhecimento das regras não está proibido a ninguém, embora a execução não seja entregue mais que a alguns. Não me oponham autoridades respeitáveis como infalíveis. Seria arruinar tudo julgar o que deve ser pelo o que é. Os maiores homens já se equivocaram alguma vez: não é pois um modo de evitar o erro, tomar sempre o exemplo por regra. Não me detenham pelas supostas impossibilidades. A preguiça encontra muitas onde a razão não vê nenhuma. Estou convencido que aqueles de nossos arquitetos que têm um verdadeiro zelo pela perfeição de sua arte me serão gratos pela minha boa vontade. Eles talvez encontrem nestes escritos reflexões que lhes haviam escapado: e se as jugam sólidas, não desdenhem utilizá-las; é tudo o que peço. Pois, ver só com pesar que uma mão estranha leve a chama da verdade em mistérios nos quais ainda não se havia aprofundado, rejeitar uma luz por antipatia à fonte de onde vem, opor um desprezo cego ao zelo de um aficionado que tenta discernir os caminhos que levam ao objetivo daqueles que nos distanciam dele, irritar-se diante do êxito que pode ter seus esforços por temor a ter adiante censores mais atentos, juízes mais severos; tais atitudes só são próprias de artistas carentes de gênio e de sentimento.
Princípios gerais da arquitetura
Isto é da arquitetura como de todas as outras artes: seus princípios são fundados na simples natureza, e no proceder desta se encontram claramente marcadas as regras daquela. Consideremos o homem em sua primeira origem, sem outro auxílio, sem outro guia que o instinto natural de suas necessidades. Ele precisa de um lugar de repouso. À beira de um tranquilo riacho ele avista um campo; seu verdor nascente agrada seus olhos, sua terna lanugem o convida; ele vem, e comodamente estirado sobre este tapete esmaltado, sonha somente em desfrutar em paz dos dons da natureza: nada lhe falta, ele não deseja nada. Mas logo o ardor do sol que o queima, o obriga a procurar um abrigo. Avista um bosque que lhe oferece o frescor de suas sombras; ele corre para se esconder em sua espessura, e aqui está satisfeito. No entanto, mil vapores suspensos ao azar se encontram e se reúnem, de espessas nuvens se cobre o ar, uma chuva espantosa se precipita como uma tormenta sobre este bosque delicioso. O homem mal coberto ao abrigo de suas folhas não sabe mais como se defender de uma umidade incômoda que o penetra de toda parte. Uma caverna apresenta-se, ele rasteja, e se encontrando a seco, aplaude por sua descoberta. Mas novos dissabores ainda o desagradam nessa morada. Ele se vê nas trevas, respira um ar insalubre, e sai resolvido a suprir, com seu engenho, as desatenções e negligências da natureza. O homem quer construir para si um alojamento que o cubra sem enterrá-lo. Uns galhos caídos no bosque são os materiais apropriados ao seu propósito. Escolhe quatro dos mais fortes que levanta perpendicularmente e que dispõe em quadrado. Em cima, põe quatro outros atravessados; e sobre estes levanta outros que se inclinam e se unem num ponto em dois lados. Esta espécie de telhado é coberta de folhas suficientemente juntas para que nem o sol e nem a chuva possam penetrá-lo; e eis aqui o homem alojado. É verdade que o frio e o calor o farão sentir desconforto em sua casa aberta em todos os lados; mas então ele preencherá o intervalo entre os pilares e se encontrará protegido.
Tal é a marcha da simples natureza; é à imitação do seu proceder que a arte deve seu nascimento. A pequena cabana rústica que acabo de descrever é o modelo a partir do qual imaginamos todas as magnificências da arquitetura, é em se aproximando à execução da simplicidade deste primeiro modelo que evitamos os defeitos essenciais, que agarramos as perfeições verdadeiras. Os pedaços de madeira levantados perpendicularmente nos deram a ideia das colunas. Os pedaços horizontais que os coroam, nos deram a ideia dos entablamentos. Finalmente, as peças inclinadas que formam o telhado nos deram a ideia dos frontões: eis aqui o que todos os mestres da arte têm reconhecido. Mas sejamos cautelosos. Jamais princípio algum foi mais fecundo em consequências. É fácil agora distinguir as partes que entram essencialmente na composição de uma ordem da arquitetura daquelas que são introduzidas apenas por necessidade ou que acrescentadas apenas por capricho. São nas partes essenciais que consistem todas as belezas. Nas partes introduzidas por necessidade consistem todas as licenças. Nas partes acrescentadas por capricho consistem todos os defeitos: isso pede esclarecimentos. Tentarei lançar sobre isso toda a luz possível.
Não percamos de vista nossa pequena cabana rústica. Nela só vejo colunas, uma trave ou entablamento, um telhado pontudo cujas duas extremidades formam cada uma isso que nós chamamos um frontão. Até agora nada de abóbada, menos ainda de arco, nada de pedestais, nada de ático, nem mesmo de porta, nada de janela. Concluo então e digo: em toda ordem da arquitetura, não há mais que a coluna, o entablamento e o frontão que possam entrar essencialmente na composição. Se cada uma dessas três partes se encontra localizada na situação e com a forma convenientes, não haverá nada a se acrescentar para que a obra seja perfeita. Resta-nos na França um belíssimo monumento dos antigos, o que chamamos em Nîmes a Maison Quarrée. Conhecedores ou não conhecedores, todo o mundo admira a beleza desse edifício. Por quê? Porque nele tudo existe segundo os verdadeiros princípios da arquitetura. Um retângulo onde trinta colunas suportam um entablamento e um telhado rematado nas duas extremidades por um frontão, eis tudo em que consiste: este conjunto possui uma simplicidade e uma nobreza que surpreendem todos os olhares.
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© Tradução: Igor Fracalossi. Colaboração: Flora Paim.
Referência: Marc-Antoine Laugier, Essai sur L’Architecture, Paris, 1753, pp.i-15.
Cita:Igor Fracalossi. "Ensaio sobre a Arquitetura / Marc-Antoine Laugier" 27 Feb 2014. ArchDaily. Accessed 4 Mar 2014.

sábado, 16 de novembro de 2013

programa 2013/ segundo semestre


 

Conteúdo programático referencial 

Foco na criação/ proposição de equipamentos urbanos/ unidade de vizinhança (relação PA3).

1.     A Invenção da liberdade. A Enciclopédia, a Ilustração, as ciências modernas.
2.     Transformações culturais e territoriais Inglaterra e/ou França no Séc. XVIII e XIX.
3.     Arquitetura do Iluminismo. Neoclassicismo. Belas Artes e Politécnica.
4.     Vigiar e Punir / a disciplina relacionada ao espaço arquitetônico e urbano. Pre-urbanistas.
5.     Cidade na época da expansão; Forma e limites da cidade. Georges Hausmann.
6.     Teoria da cidade e do urbanismo: Ildefonso Cerdá.Camilo Sitte e urbanistas alemães
7.     Multidão, velocidade e política. Linhas, redes e fluxos.
8.     Novos equipamentos urbanos. Lugares de habitar, trabalhar, outros: Historicismo, Europa, América e no Brasil. Ecletismo. Internacional e local;
9.     Desenvolvimento de novas técnicas, materiais e tipologias. Arquitetura dos Engenheiros. O concreto armado, Petrus Berlarge, Auguste Perret. Escola de Chicago.
10.  O problema da arte decorativa. J. Ruskin, W. Morris. Os Modernismos: V. Horta, Van de Velde, Mackintosh, Gaudi. Adolf Loss, “ornamento é crime”.
11.  Francis Lloyd Wright e a arquitetura orgânica aos anos 30 e 40.
12.  O declínio do homem público.
13.  Ebenezer Howard e as cidades jardins. Tony Garnier e a cidade Industrial.
14.  A cidade americana Arranha-céu e Métropole. Escola de Chicago, práticas urbanísticas em Nova York. Wright, a proposição da Broadacre City. Os subúrbios e o planejamento regional: Unidade vizinhança/ Radburn.
15.  Expressionismo arquitetônico e o Futurismo As vanguardas construtivas históricas e a nova concepção espacial: o neoplasticismo e o construtivismo russo.
16.  Bauhaus: 1ª fase com Walter Gropius e a 2ª fase com a nova Objetividade. Mies Van der Rohe, 1933.
17.  Le Corbusier: A Vila Contemporânea e a Cidade Radiosa
18.  Cronologia do planejamento urbano nos primeiros 50 anos do séc. XX.
19.  1ª fase do CIAM 1928-33: Congresso Internacional de Arquitetura Moderna/ 2ª fase CIAM 1933-48: A Carta de Atenas. A cidade funcional.


Avaliação: Seminários e leituras em grupo (em grupo)/ Avaliações escritas (individuais): prova escrita; relatórios. Nota média dos seminários (incluindo anotações e resumos) e nota da prova escrita (individual).

Bibliografia

ÁBALOS, Iñaki. A boa-vida: visita guiada às casas da modernidade. Barcelona: Gustavo Gili.
Argan, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo. Companhia das Letras, 1992.
_________________. História na metodologia do projeto. Revista Caramelo FAUUSP. São Paulo.
BANHAN, Reyner. Teoria e Projeto na Primeira Era da Máquina. São Paulo: Perspectiva, 1979
BENEVOLO, Leonardo. A Cidade e o Arquiteto, Método e História na Arquitetura, São Paulo: Perspectiva, 1984.
___________________. História da Arquitetura Moderna, São Paulo: Perspectiva. 1985.
BENJAMIN, Walter. Obras Completas. São Paulo: Brasiliense vol. I e III.
CHOAY, Francoise. O Urbanismo, Utopias e Realidades, uma antologia, São Paulo: Perspectiva, 1992.
________________. A Regra e o Modelo. São Paulo: Perspectiva.
COLQUHOUN, Alan. La Arquitectura Moderna, uma história desapasionada. Barcelona. Gustavo Gili, 2005.
* FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Livro Básico
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Historia da violência nas prisões, Rio de Janeiro: Vozes, 2007
________________. O Nascimento da Clínica. São Paulo: Forense, 2011
GIEDION, Sigfried. Espaço, tempo e Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo; Perspectiva
HOWARD, Ebenezer. Cidades-Jardins de Amanhã. São Paulo: HUCITEC, 1996
KOPP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel: Edusp, 1990.
LAMAS, José M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
LE CORBUSIER. Por uma Arquitetura. São Paulo: Perspectiva. 1989.
_____________. Carta de Atenas. São Paulo: Hucitec, 1993.
_____________. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes. 1992. (1a ed. 1924)
_____________. Planejamento Urbano. São Paulo: Perspectiva, 1984
_____________. Precisões. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
RICKLEY, George. Construtivismo, origens e evolução. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
RELPH, Edward. A Paisagem Moderna. Lisboa: Presença.
SECHI, Bernardo. Primeira lição de urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2006
______________. A cidade do século vinte.  São Paulo: Perspectiva, 2009
SENNET, Richard. O Declínio do Homem Público. São Paulo: Companhia das Letras, 1989
SITTE, Camilo. A Construção das Cidades Segundo seus Princípios Artísticos. São Paulo: Ática
STAROBINSKI, Jean. A Invenção da Liberdade. São Paulo: EdUNESP. 1994.
ZEVI, Bruno. A linguagem Moderna da Arquitetura. Lisboa: Don Quixote.
ZUCCONI, Guido. A cidade do século XIX.  São Paulo: Perspectiva, 2009

domingo, 6 de outubro de 2013

Resenha livro A Boa Vida de Iñaki Abalos por Guilherme Wisnik

Resenha site Vitruvius

Qual foi o legado do século XX para a nossa cultura doméstica? Tal é o mote seguido pelo arquiteto espanhol Iñaki Ábalos em “A boa-vida: visita guiada às casas da modernidade” (Gustavo Gili, 208 págs., R$ 75,25). Sem pretensões conclusivas, o livro faz um inquietante inventário de diversas casas “inventadas” pela modernidade: a existencialista, a pragmática, a positivista, a fenomenológica, a comunal e, inclusive, a sua desconstrução pós-estruturalista. Privilegiando a dimensão do imaginário contida em cada um desses distintos modos de habitar, o autor vai revelando os diferentes sujeitos sociais supostos em tais modelos. O seu alvo de ataque é a pretensão universalista que ficou colada à imagem da casa moderna, que o autor chama de “casa positivista”, situando-a como apenas um modelo entre outros. O único, aliás, que em sua opinião se encontra hoje definitivamente esgotado.
Contra a obsessão higiênica, anônima, ideal e estatística do positivismo (a célula-mínima, a família-tipo), Ábalos afirma o papel decisivo da subjetividade para os outros braços da modernidade. Nessa trilha, somos guiados não apenas através de casas projetadas por arquitetos, mas também pela intensidade sensorial das casas-ateliê de Picasso (táteis ao invés de técnicas) e do sobrado-bricolagem de monsieur Hulot, de Jacques Tati (“Mon oncle”, 1957). Assim como pela anarquia extrovertida das comunas pop nova-iorquinas dos anos 60 (como a Factory de Andy Warhol), que converteram a moradia em trabalho ao mesmo tempo que faziam da arte um viver. Ou, ainda, pela casa pré-fabricada de Buster Keaton (“One week”, 1920), e sua incapacidade de montá-la como espelho da impossibilidade de se recompor um horizonte doméstico e familiar “normal”. Nada, portanto, de homens universais, mas de indivíduos bem particulares: o eterno menino em férias (Picasso e Hulot), o membro de uma tribo que vive na cidade e a consome (Warhol), e o cidadão que internalizou as divisões sociais a ponto de se tornar um autômato (Keaton).
Também na esfera da arquitetura, o autor resgata o papel crucial da dimensão subjetiva para muitos projetos. É o caso das casas-pátio de Mies van der Rohe, dos anos 30, e das casas californianas dos anos 50 (“pragmáticas”), como as Case Study Houses. Que sujeito essas residências ao mesmo tempo supõem e projetam? No segundo caso: a mulher independente, liberal e ativa, que se libertou das tarefas domésticas para gozar o conforto, a eficiência e a flexibilidade da sociedade de consumo. E, no primeiro, o homem urbano sem família nem metafísica. O solitário que afirma a sua existência como potência da vontade, assim como o “super-homem” nietzschiano. Daí a horizontalidade extensa e sem barreiras desses espaços domésticos, como que feitos de uma matéria anti-gravitacional: templos de um sujeito irredutível e sem transcendência, isto é, moderno. Na agilidade de suas páginas, o livro nos convida a visitar um século não inteiramente real, mas latente. Em que a idéia de “morte do sujeito” contracena com uma subjetividade soberana e afirmativa.
2.
Moradores de cidades como Veneza, Florença ou Barcelona acostumam-se cada vez mais a ter o seu espaço cotidiano tomado por multidões de turistas que, no entanto, alimentam a sua economia. Ao mesmo tempo, moradores de bairros antes pacatos e residenciais como a Vila Olímpia, em São Paulo, convivem com a proliferação de torres de escritório ocupadas por empresas transnacionais voláteis, que as alugam de anônimos fundos de pensão. Torres que são, supostamente, a base hospedeira para capitais que, conquanto não “fugissem”, deveriam manter a economia da cidade girando. Fica claro que, em todos esses casos, a noção de pertencimento dos habitantes à “sua” cidade ou bairro está, no mínimo, em crise. E que, para muitas cidades, as alternativas de “sobrevivência” são, simultaneamente, predatórias.
Quem é o novo sujeito emergente na cidade contemporânea? A pergunta ressoa no livro de Ábalos, particularmente no capítulo que trata do pós-humanismo desconstrutivista. É significativo que, tendo como tema a casa, o autor não possa abordar o momento atual sem tratar fundamentalmente da cidade, na qual desponta a figura do “nômade”. Pois o crescente aumento da mobilidade, em oposição às instâncias estáticas e tradicionais da família e do lugar de origem, nos conduzem a uma instalação no mundo cada vez mais fugaz e individualizada, paralela à própria mobilidade do capital no território. Ábalos, nesse ponto, toma como mote as provocações do arquiteto japonês Toyo Ito, nos projetos que fez para a “mulher nômade de Tóquio” (Pão I-II, 1985-1989): frágeis cabanas móveis contendo apenas um toucador, uma mesa de telecomunicação e uma cadeira de repouso. Jovem e independente, a “mulher nômade” é ociosa e consumista. Por isso sua casa é apenas um pequeno conjunto de artefatos, leve e sem privacidade. Não um refúgio da cidade, mas um posto de observação.
Ela, desse modo, não se insere na cidade do trabalho, do transporte, da família ou do lazer. Como um inseto, apenas pousa com sua cabana parasita em lugares privilegiados. Pois, embora não produza, o seu consumismo é funcional ao sistema: eis o atual paradoxo da especulação financeira, isto é, da geração espontânea de riqueza no capitalismo tardio (em que, no fundo, a estabilidade global depende da desarticulação e flexibilização das estruturas locais). Essa cidade (“global”, “genérica”) é, portanto, protagonizada pelos “novos nômades”: aqueles que estão nela sem estar, ou não estão estando. Sejam hordas de turistas, ações correndo no pregão da bolsa de valores, corporações rentistas ou navegantes da internet. “Tarzãs numa floresta midiática”, segundo Toyo Ito.
É curioso como a imagem da “mulher nômade” se distingue da figura histórica do burguês, cuja agorafobia (aversão ao espaço público) alimentou uma fetichização da intimidade como refúgio compensatório da cidade. Ela aponta para uma outra “elite”, que não mais aquela encastelada em palacetes, e que despreza solenemente o trinômio Trabalho, Família e Propriedade.
[artigos publicados na Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, p. E2, em 27/08 e 03/09/2007, com os títulos de “Subjetividades domésticas” e “Os novos nômades”.]

domingo, 8 de setembro de 2013

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» Coches, jirafas y bicicletas
por Miquel Adrià | @miqadria
Muchos arquitectos del pasado siglo se fascinaron con los coches, con la velocidad, con la precisión de la producción en serie y con el virtuosismo del diseño. Sobran ejemplos. Le Corbusier ponía un coche Voisin –diseñado por él, claro- delante de sus famosas casas de los años veinte, antes de fotografiarlas. Beatriz Colomina afirmaba que “asociar el lujo de un coche deportivo con sus casas fue un gran golpe”. Fue el primero que entendió el poder mediático de las imágenes y la asociación entre la arquitectura y los automóviles. De hecho, la curva de la planta baja de villa Savoye, está diseñada en función del radio de giro de un Voisin. También Mies fotografió su primer edificio moderno en la Weissenhof de Stuttgart con un vehículo de la época, con modelo incluida. El coche como símbolo de modernidad y progreso siempre aparece en las metrópolis futuristas del pasado siglo. Wright y Agustín Hernández fueron más allá y recurrieron a los ovnis de los supersónicos. Le Corbusier pregonaba que “una ciudad construida para la velocidad es una ciudad construida para el éxito”. No llegó a imaginar las patologías viarias de un siglo más tarde, los atascos, los segundos pisos, ni el lado corriente de lo que imaginó como un lujo. Hábil publicista de sus proyectos trató de convencer a Citroën, Peugeot y Michelin para que construyeran un prototipo que finalmente realizó el industrial Voisin. Cuenta el arquitecto Antonio Amado Lorenzo que si bien Le Corbusier proyectaba desde la planta, la sección definió el punto de partida de la voiture maximum que diseñó a partir de la proporción √2, donde la cabeza del conductor se situa en el centro de la composición cuadrada. De ese prototipo salió el 2CV de Citroën y probablemente inspiró a Ferdinand Porche cuando dió forma al Volkswagen que le encomendó Adolf Hitler. Poco antes Walter Gropius en 1930 diseñó el Adler Cabriolet aportando elegancia a un coupé de gran lujo bauhasiano, pero mucho más conservador que el utilitario para el pueblo alemán. Y casi al mismo tiempo, en 1933, el estadounidense Buckminster Fuller llevó a cabo su Dymaxion, una eficaz camioneta de tres ruedas que Norman Foster ha rescatado recientemente. Aunque quizá fueron Joseph Maria Olbrich y Otto Wagner los primeros arquitectos en añadir diseño al carruaje motorizado, con su Opel de 1906, pero sin lugar a dudas, la fascinación por la velocidad y la aerodinámica hay que buscarla en Italia. Uno de los que más arriesgaron incorporando formas alabeadas fue Carlo Mollino con su Bisoluro monoplaza. Como en sus muebles y sus casas, el movimiento del usuario contorneó al objeto hasta convertirlo, en este caso, en un bólido.
Pero más allá de los arquitectos diseñadores, están los arquitectos usuarios. Esos personajes libres y glamourosos, que entre semana se escapaban en veloces convertibles a ver sus obras y en las noches eran invitados imprescindibles en todos los locales de moda y estrellas del papel couché. Ferraris, Porches y Alfa Romeos eran parte del mobiliario de cualquier despacho de arquitectura que se preciara en el mundo. Sin ir más lejos, en México, el Buick de Juan Sordo Madaleno era la envidia de sus colegas y los Alfa-Romeo-Giulietta-Spider-convertibles fueron la extensión de la corbata de Augusto H. Álvarez, de Jorge Campuzano y de Rafael Mijares, mientras construían el edificio Jaysour o los museos de Arte Moderno y de Antropología, respectivamente. Por entonces cerraban el periférico y corrian junto a los presidentes Díaz Ordaz o López Mateos, que probaban los regalos de Alfredo del Mazo y jugaban a perder sus respectivas escoltas. También Francisco Artigas decoraba las fotos de todas sus casas funcionalistas de El Pedregal con su colección de deportivos y Luís Barragán presumía de tener el mismo Cadillac en sus casas de la ciudad de México y de Guadalajara.
Pero con el fin de siglo XX y Rem Koolhaas -quien por fin enterró a Le Corbusier- se acabaron los coches. Y las fotografías de arquitectura incoporaron todo tipo de fauna. En su Villa Dall´Ava, en París, fueron unas desconcertadas jirafas y en pocos años los arquitectos de todo el mundo alquilaron elefantes y cebras de circos a la deriva, para estar con los nuevos tiempos y dar escala a sus obras. Y de ahí que las bicicletas de los arquitectos holandeses se expandieran globalmente homenajeando quizá a Josep Puig i Cadafalch, que ya a fines del siglo XIX visitaba sus obras del palau Macaya y de la casa Amatller en bicicleta.