sábado, 29 de março de 2008

O Olho

Texto extraído do livro
MOTTA, Flávio. Textos Informes.
Páginas 16 a 18. FAUUSP, 1973.

A obra de arte é uma obra que nós fazemos para só depois sabermos, mais completamente, como fizemos. E, às vezes, até isto não conseguimos de imediato. Depois, muito depois, sim, pode ser.
Quer dizer: com o tempo ela mostrará aquilo que no momento não mostra. Não que esconda.
Mas não se vê porque o olho, como o corpo inteiro, ainda não está para ver tudo. Isso é para dizer que existe o olho da História.
Se a obra de arte fosse um saber que já se soubesse como, era uma repetição. E daí, não... Cada obra de arte tem seu fazer, sua técnica. Pode ser parecida com outras. Mas ela é, sempre, uma técnica nova que é a totalidade dos procedimentos que elaboram para uma situação nova.
Essa situação nova já é um começo para perceber melhor, até sempre, um mais adiante, quando então se dá conta do melhor que se queria. Mas, nesse instante, que a História nos devolve como ponto de chegada, de conhecimento, é um ver que vem de muitos. Sozinho se percebe muito pouco. A gente vê como já se disse, “com o corpo inteiro”, porém, muito mais ainda, com a visão de muitos outros. Isso para dizer também que existe o olho da Sociedade. E como a Sociedade pode ser vista como seres humanos, juntos, transformando a natureza da qual são parte, ao artista que faz, faz para o que faz do jeito que faz, sem que os outros saibam que aquilo que este está fazendo é também o resultado da maneira de ver a vida com os outros, como ela se faz desejada e continuada. Daí para frente, sempre aquilo que parecia isolado se encontra. As maneiras de fazer podem parecer, então, semelhantes ou coincidentes. E alguns chamam isso de patrimônio técnico ou científico. Inocentes, chamam então os inocentes e mostram como as coisas se fazem como foram feitas e CONTAM OS SEGREDOS DOS DEUSES. Ensinam tudo. Ensinam... Não! Contam, até como é o amor. Mostram que para fazer, há milhares de anos a natureza usa técnicas semelhantes. Mas fazendo é que o homem percebe as diferenças e que nada é natural. Pelo contrário. Tudo acontece como se nunca tivesse acontecido, porque, mesmo nas formas mais antigas de relação, é através do social que as pessoas encontram as companhias. Ademais, isso resulta que tem sempre um a mais. E, quanto mais gente, mais o homem mostra o que ainda não conheceu – encontro melhor do sucessivo com o simultâneo.

quarta-feira, 26 de março de 2008

CONCEITOS DE MODERNIDADE

Raoul Hausmann . The Art Critic1919-1920

Hegel caracteriza a fisionomia dos tempos modernos pela subjetividade, explicando-a por meio da liberdade e da reflexão. A expressão subjetividade implica sobretudo 4 conotações: individualismo; direito à crítica; autonomia do agir (o fato de queremos nos responsabilizarmos pelo que fazemos); a filosofia idealista. Hegel considera a tarefa da filosofia no mundo moderno a apreensão da idéia que cabe a si própria[1].
O principio de subjetividade determina as configurações da cultura moderna. A arte moderna revela sua essência no romantismo, a forma e o conteúdo da arte romântica são determinados pela interioridade absoluta. Hegel no séc. XIX, discrimina acontecimentos - chaves da modernidade: a reforma, o Iluminismo, a revolução francesa.
Modernidade tem conotações de uma época enquanto que moderno tem um significado estético marcado pela auto-compreensão da arte de vanguarda. É na crítica estética que se toma consciência do problema de uma fundamentação da modernidade a partir de si própria. E isso torna-se claro quando se traça a história do conceito de moderno. Esta se inicia na querela ente os antigos e modernos no séc. XVIII, França, quando separam os critérios de um belo relativo dado pela história, gosto e costume, e um belo absoluto.
Baudelaire coloca que a experiência estética funde-se com a experiência histórica da modernidade. A obra de arte coloca-se na interseção entre os eixos da atualidade e da transitoriedade. A modernidade torna-se um conceito de uma atualidade que se autoconsome, estabelecido no centro da idade moderna. O dandy, personagem baudelaireano, procura algo de fugaz, a moda, a novidade, algo indefinido que Baudelaire denomina de “modernidade”. O dandy se interessa em extrair da moda tudo o que ela possa conter de poético no histórico e de eterno no efêmero.
Segundo Max Weber[2], a modernidade é produto de processos globais de racionalização, que se deram na esfera econômica, política e cultural. A racionalização econômica levou a dissolução de formas produtivas do feudalismo, formulando uma mentalidade empresarial moderna, baseadas no planejamento e contabilidade. O fim do feudalismo libertou a força de trabalho, facilitando a constituição do trabalho assalariado. A racionalização criou o Estado dotado de sistema tributário centralizado, legislação e militarismo centralizado, monopolizado.
Racionalização cultural envolve a dessacralização da visões de mundo tradicionais e a diferenciação em esferas de valor autônomas, até então embutidas na religião: estas esferas são a ciência, a moral e a arte.
A arte autônoma, fora do contexto da religião e tradicionalista em direção a formas cada vez mais dirigidas para o mercado.
Modernização significa principalmente aumento de eficácia visando aumento de autonomia (EMANCIPAÇÃO).
Este ponto de vista da emancipação decorre do Iluminismo, deriva de 3 configurações históricas: a ilustração, o liberalismo e o socialismo.
A idéia iluminista propunha estender a todos os indivíduos condições concretas de autonomia. Era universalista em sua abrangência, individualizante em seu foco (visa o sujeito), e emacipatória em sua intenção, o homem pode aceder a plena autonomia do pensamento, da política e da economia.

A DIALÉTICA DA VANGUARDA[3]
A idéia artística de vanguarda e o conceito de modernidade ou de cultura moderna são afins. Embora designem realidades distintas.
As vanguardas artísticas são determinados movimentos artísticos caracterizados por uma atitude social beligerante e mesmo agressiva, em todo caso de signo crítico. A razão de ser das vanguardas se estriba na oposição à tudo que seja opaco, reificado, alienação das formas culturais objetivas.
As vanguardas artísticas do séc. XX caracterizam-se pelo rigor com que assumiram a ruptura com o passado, afetando o conjunto da cultura afirmando o novo como exigência de renovação. Vanguarda a modernidade condicionam-se mutuamente; uma não existe sem a outra.
As vanguarda e sua relação com a cultura moderna com respeito à história. Foram as vanguardas que sancionaram a consciência histórica moderna, sua relação com o passado que orienta-se para empresas futuras, e para um progresso indefinido.
A crítica como objeto do repensamento da intersubjetividade leva a pensar a liberdade mediada pela reflexão. Hegel e Weber situam o problema da crítica como uma avaliação recíproca dos objetivos das práticas e suas conseqüências. A crítica no contexto da modernidade constitui-se ao mesmo tempo num instrumento de análise e uma normatividade; um problema que vincula ética e estética.
O movimento moderno assume o postulado de uma ação da crítica interna ao seus processos criativos. O caráter crítico de algumas obras de arquitetura, desloca leituras convencionais, ressaltando a mediação “transformadora” do texto crítico[4]. O potencial crítico da obra e do texto são de naturezas distintas e atuam de modo a atraírem a atenção um do outro.
O problema da liberdade para a arquitetura e a arte, evidentemente, não as torna autônomas dos campos do trabalho humano, contudo não é o caso da criação artística se dissolver no mundo da produção industrial. As vanguardas artísticas propõem-se a antecipar esteticamente as transformações da sociedade industrial, “revolucionando radicalmente as modalidades e finalidades da arte”. Esse signo crítico e construtivo das vanguardas artísticas transformou-se em atuação na realidade histórica, assumindo aspectos programáticos e críticos, que passam a assumir um papel de conduzir uma “política própria”.
Os movimentos artísticos definiram programas[5] e manifestos, que são textos funcionam dentro do conceito de poética[6]. Segundo Argan, estas compreendem os fatores do fazer artístico com base nas experiências e escolhas culturais, e na idéia de arte que o artista tenta concretizar em sua obra. A poética não é a arte, mas “cultura vocacionada para a arte”. As poéticas modernas deveriam eximir-se das visadas totalizadoras e sistemáticas; e em relação à crítica forneceriam parâmetros de reconhecimento da atualidade e capacidade de sobrevivência das tendências artísticas.
A definição do "ser moderno":
Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. (...) ela [a modernidade] nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual como disse Marx, "tudo o que é sólido desmancha no ar".
BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar... (Companhia das Letras. 1985, p. 15)

[1]Conceitos de Hegel e Baudelaire lidos, In HABERMAS, Jürgen. O Discurso filosófico da modernidade.
[2]Weber, Max. Apud. ROUANET, S. P. Mal Estar na Modernidade.Companhia das Letras.
[3]SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós Moderno. Ed Nobel
[4]EINSEMAN. Peter. (1996). Estratégias del Signo. Giuseppe Terragni y la idea de un texto crítico. Arquitetura Viva. Madrid. n. 48, p. 66-69. mayo.-jun.
[5]Definição de programa como uma concretização provisória dos objetivos do projeto. CASTORIADIS. (1986). A Instituição Imaginária da sociedade. R.J.: Paz e Terra
[6]Conceito de ARGAN, Giulio C. Arte e Crítica de Arte. Editorial Estampa

ARQUITETURA COMO OPÇÃO DE ESTILO

Séc. XIX e início do XX[1]
É difícil demarcar os limites entre o historicismo e o ecletismo, por outro lado, é conveniente e convincente segundo Luciano Patetta, considerá-los no seio de um mesmo conjunto de experiências culturais que possuem continuidade histórica[2] e ideológica. Contexto que ele denomina de Historicismo. A opção estilística, que se configura nesta conjuntura, resulta de um ato de escolha do projetista (um ato crítico, subjetivo), “cujo ponto de chegada é o conceito”[3]. A escolha envolve uma postura moral, que permite aos projetistas: liberdade de interpretação e caracterização[4]. Nesse período, estabelece-se no campo da arquitetura que há uma dialética constante entre as razões da arquitetura e razões éticas, sociais e políticas.
O quadro cultural do Historicismo (e Ecletismo) foi marcado pela ascensão e estabelecimento da classe burguesa, que solicitava conforto, higiene, funcionalidade e novidades, porém “rebaixava a produção artística e arquitetônica ao nível da moda e do gosto”[5].
Para a clientela burguesa, esses “estilos” podem ser considerados “imagens de desejos”, nos quais se busca sublimar “a imperfeição no produto social”[6].
“a forma dos novos modos de produção, a princípio dominada pela dos antigos (Marx), correspondem, na consciência coletiva, a imagens nas quais o novo se interpenetra com velho”[7].
Nesse período, o arquiteto contava com um sistema de regras e preceitos de composição, de decoro e de ornamentação, que dispunha dos mais variados elementos lexicais, advindos de diversos períodos históricos e regiões geográficas[8].
Nesse contexto, distinguem-se três correntes predominantes de acordo com a relação entre produto e modelo, segundo Luciano Patetta: “composição estilística”, recurso da imitação correta de um estilo do passado; “historicismo tipológico”, baseado em procedimentos de caracterização analógica da arquitetura; e “pastiches compositivos”, com toda liberdade de criar soluções “estilísticas”[9].


1 Historicismo - Clássico / Historicismo - Romântico
As condições para o surgimento do Neoclássico
Transformações Culturais - Keneth Frampton trata do aumento da capacidade humana em exercer controle sobre a natureza.
Transformações culturais de decadência do antigo regime, ascensão da burguesia quanto à tecnologia (aumento da capacidade de produzir). A nova consciência humana ligada produz novas categorias de conhecimento - Historicista, reflexivo.

Argan - Arte Moderna
Romantismo e clássico são interações que dão base ao nascimento da arte moderna. Numa posição historicista o clássico torna-se o arquétipo de arte - arte x natureza.
Já no romantismo, a arte tem como base a própria base arte. (história)
Para eles o pensar por imagens é tão legitimo quanto pensar a estrutura – A Estética, teoria de sensibilidade, gosto, subjetividade. A base vem de Hegel. Razão é histórica, as idéias não são intemporais, elas mudam.

A importância da história no período
Cultura é o lugar de transformação racional. Relação humana com o tempo e no tempo.
Hegel - Natureza é o reino de semelhança/repetição diz G. F. HEGEL no sistema das artes. Hegel identifica História e Cultura. Espírito é a via de transformação da história.
Marx – identifica as lutas de classe e a produção como as vias de transformação da história.
“O ponto-de-vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o do novo materialismo, a sociedade humana ou a humanidade socializada.”
“Os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente; trata-se, porém, de modificá-lo.” Karl Marx In Teses sobre Feuerbach.

Romantismo [Regional x Cosmopolita] x Iluminismo [Individual x Universal]
Segundo Argan, em Arte Moderna, a arquitetura e arte moderna surgem da dialética entre o clássico do iluminismo e o historicismo romântico. Nota: palavras chave da modernidade: subjetividade / espiritualidade / sensibilidade/ expressão/ intenção.
Nova atitude frente à história - conhecimento consciente - estilo significa diferentes atitudes frente ao passado, que dá na postura Eclética: Ecletismo se encontra dentro da própria Beaux Arts - recuperando outros estilos - o clássico era considerado unilateral. A perda dos significados dos estilos históricos é profunda.
Diderot (Século XVIII)- eclético é aquele que passa por cima da tradição, da autoridade, da opinião (doxa), com todos os prejuízos e se atreve a pensar por si mesmo.


[1] Notas de aula Clara Luiza Miranda- disciplina de THAU2/ dep. Arquitetura e Urbanismo. UFES
[2] PATETTA, L. Considerações sobre o Ecletismo na Europa. In. FABRIS, A. (1987). Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Studio Nobel: EDUSP. pp. 10-27 p. 10
[3] ARGAN. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 23
[4] “Introduzir caráter em uma obra é empregar com equidade todos os meios próprios para fazer-nos experimentar sensações além daquelas que devem resultar do tema”. (Boullé. Ensaio sobre a Arte. Ed H Blume, p. 67). A linguagem é o mesmo que caráter, assim o significado deve aparecer na forma. Boullé diz que ao olhar um objeto, o primeiro sentimento experimentado “é de que maneira o objeto nos afeta”. Boullé (séc. XVIII), denomina de caráter “o efeito que resulta deste objeto e que o que causa em nós uma determinada impressão”. BOULLÉ, E. L. Ensaio sobre a Arte.
[5] PATETTA. Op. Cit.
[6] BENJAMIN, W. Paris Capital do Século XIX. São Paulo. Espaço & Debates. n. 11. 1984. pp. 5-13
[7] Id. Ibid.
[8] PATETTA. Op. Cit. p. 14
[9] Id. Ibid. p. 14-5

quinta-feira, 20 de março de 2008

Projeto Arquitetônico na Academia de Belas Artes e na Politécnica


Estrutura do projeto clássico: Mimese e ordem
Como foi relatado anteriormente, ordem e mimese organizam o projeto clássico, o discernem dos demais modos de fazer arquitetura. A ordem coloca o problema da conexão entre formas e a mimese como constituição da representação. O problema da ordem é sintático, definir elementos, de estabelecer leis de organização da composição.
O classicismo é um fenômeno cultural, aponta uma hierarquia social. Tem um caráter iconológico, um sistema de signos que para ser lido, depende de um conhecimento prévio, uma iniciação. Traz um problema morfológico, na medida em que, os edifícios clássicos revelam uma maneira de tratar os problemas da estabilidade das construções, do controle bioclimático e do habitat. Expressam uma poética, pois, revelam algo mais que sua organização sintática, baseado em princípios estilísticos. A poética da ordem quer descobrir na natureza a ordem evidente das coisas, e ter consciência da norma imanente na relação entre homens e coisas. A obra clássica e entorno devem manifestar a diversidade de suas características.
As atitudes sistemáticas que fazem do projeto clássico uma experiência e um processo cumulativos: Tratadística de Vitrúvio, Alberti com a De Re Aedificatória, outros tratados, enciclopédia, Durand com seu planejamento axial, Guadet com a composição elementar, Quatemere de Quincy verbetes imitação e tipologia.
Em Vitrúvio a Arquitetura é ordenação, relações entre as medidas dos membros do edifício, proporção do conjunto, simetria, eleição de unidades modulares que unem os elementos e o efeito harmonioso do conjunto resultante destas relações. Euritimia relações entre os módulos das colunas e seu espaçamento, assim como dos outros elementos do edifício.
Simetria é fundamental na obra clássica, é o acordo harmonioso entre as partes e membros do edifício, correlação modular entre as partes e o todo. A simetria é efetuada pela proporção, que por sua vez é obtida pela subordinação dos membros a um módulo, cujo parâmetro é o corpo humano. Vitrúvio ainda relata do agenciamento, distribuição e conveniência, relativos a escolha de partes, volumes e ao caráter do edifício.
Em muitos tratados há a postura de classificar os fenômenos construtivos em categorias essenciais: tais como suas causas imanentes vêm desde Aristóteles. Contudo, a academia que adere a outros estilos, além do clássico, não deixa de recorrer a procedimentos e métodos, tais como, o uso de modelos a priori, tipos históricos, elementos dados ou reconhecidos, normativas consagradas como seção do ouro, planejamento axial, figuras geométricas regulares.

Possibilidade de classificação para análise, a partir de Alberti 1490:
Plano de expressão: Função primeira – Construção- morfologia, estrutura, inserção.
Plano de conteúdo: Função simbólica – Representação – ornamento, significado.

Estrutura Projeto: idéia de ordem a partir do século XVIII
Séc. XVIII e XIX - Idéia de Ordem se relaciona mais estritamente à concepção de Estrutura.
Na Querela entre os antigos e modernos (Séc. XVII) estava em jogo a definição da verdade da natureza dos estilos. Se o parâmetro era a razão histórica ou seu valor mítico. Enfim, estava em discussão também seu caráter instrumental – sua conotação de idéia e forma, seu aspecto normativo, seu aspecto racionalizador.
Com os Modernos a estrutura assume a noção de essência: estrutura - ordem - condição estrutural e compositiva.
Resultado da Querela entre os antigos e modernos
1 - Distinção das ordens clássicas e ordem como estrutura da arquitetura.
2 - Definição de um aspecto permanente, absoluto, estrutural, aspecto (caráter) - Contigente: costume, linguagem, estilo.

Continuidade do Projeto Clássico - Belas Artes - J. Guadet / Politécnica - J. Durand
Existência de uma disciplina específica – ARQUITETURA, ensinada pela Academia
Definida através de uma estrutura profunda - ordem enquanto essência expressando valores permanentes através da estrutura racional (científica) e valores mutáveis – estilos, como processo gerador.

Durand - Politécnica - Séc. XIX
1 - Problema da identidade da arquitetura, os mecanismos de projetar;
2 - Redução da classificação de edifícios a tipos - Momento de introdução de novas técnicas construtivas.
Destitui as ordens antigas de sua significação construtiva e o seu papel central na composição. Tipologia - Torna-se o novo e definitivo instrumento de ordem.

Durand propõe um sistema compositivo baseado nos elementos de arquitetura:
Elementos Construtivos - Valores Formais - Constituição material - Diferenças formas/proporções que devem ter por sua própria natureza. A ordem se expressa na riqueza dos materiais, grandeza, magnificência do edifício, a execução justa, cuidadosa simetria.




Tipologia - ordenar a composição: Durand - Matriz compositiva da ordem
Esta é a ordem especifica da arquitetura: Materiais - elementos de Arquitetura - Composição
· Combinação elementos
· Agenciamento, distribuição destas combinações - as partes dos edifícios - o edifício como um todo.

Neoclassicismo
O Neoclassicismo não se coloca na forma de uma estilística, mas de um modo de pensar exemplar - uma escolha cultural parcial uma poética.


Politécnica planejamento - axial


Belas Artes composição - elementar


Durand
Arquitetura é a arte de compor e de realizar todos os edifícios públicos e privados.
Raciocínio econômico - Conveniência e economia são os meios que a arquitetura deve seguir e as fontes das quais se devem extrair os meios/instrumentos para exercer a arquitetura e esta seja sólida, salubre e cômoda.
· Solidez - materiais/ qualidade / calculo inteligente (suportes esforços) / ligação entre as partes horizontais / verticais equilibradas.
· Salubridade - Localização/ conforto: calor, frio e umidade.
· Economia - grade axial permite calculo
· Controle do projeto - a economia é dada pela simetria/regularidade/simplicidade
· Arquitetura-decoração/ distribuição/ utilidade/ construção
· Ordem - colunas, entablamento e frontões cuja reunião se chama ordem de arquitetura são os componentes essenciais da arte, o que constituem sua beleza e os muros, e outros elementos acessórios são os elementos que se devem no máximo tolerar.

Segundo Durand a imitação não é recurso próprio de arquitetura. Agradar não é objetivo, a decoração não é a sua finalidade.
O objetivo - a utilidade pública e privada, conservada dos indivíduos e da sociedade.
O arquiteto deve ocupar-se da disposição - Arquitetura é solução de problemas Penetrar nos verdadeiros princípios de arte e facilitar a aplicação.
Uso do Desenho
O desenho serve para dar-se conta das idéias - seja no estudo de arquitetura, fixar idéias é linguagem natural da arquitetura, facilita o desenvolvimento de idéias.
3 classes de desenho: planta/seção/elevação...(mesmo plano) A base é a planta baixa.
Composição - caminho a seguir - começar pelo conjunto – e ir depois para os- detalhes.









Essencialização da Composição SEC XIX
Julien Guadet - composição Elementar - professor da Academia de Belas Artes.
"Composição" é um curso objetivo. A composição do edifício em seus elementos e em sua totalidade, a partir do duplo ponto de vista de adaptá-los a programas definidos e às necessidades materiais.
Compor é combinar as partes de um todo. Estas partes são os elementos de composição (quartos, vestíbulos, saídas, escadas - funcionalidade ) e elementos de arquitetura: paredes, aberturas, coberturas etc. Composição parte dos volumes.

Essencialização da Arquitetura - Limpeza, decoração, ornamento, ordem clássica, ordem estrutura (nesta os elementos não tem autonomia); Autonomia das partes/designadas, nomeadas;
Estudo dos tipos de edifícios públicos e privados rompe com barreiras estéticas.



Tipologia - novo instrumento de ordem.

A Academia ‑ escolas de Arquitetura do séc. XIX: Belas Artes e Politécnica ‑ acatou e difundiu os tipos e elementos compositivos, com uma finalidade retora e de produzir uma linguagem universal.
J.N. Durand, que organizou o “planejamento axial”, concepção por esquemas gráficos em planta e cortes a partir de eixos, preocupava-se com o problema da identidade da arquitetura e os mecanismos de projetar. Escreveu um livro, 1802, “Lições de Arquitetura”, no qual refletia sobre a introdução de novas técnicas construtivas e novos programas de necessidades, propondo a redução da classificação dos novos edifícios a tipos. Ele destituiu as ordens antigas de sua significação construtiva e seu do papel central na composição.
Tipologia torna-se, então, o novo e definitivo instrumento de ordem. Quatemere de Quincy, professor da Belas Artes de Paris, distinguia o conceito de tipo do conceito de modelo.
A noção de tipo para a composição da arquitetura é de instrumento de ordem e de convenção, contém um caráter genérico, esquemático, que permite aplicá-lo aos elementos de arquitetura. O aspecto de convenção (sentido comum; código) expressa-se como instrumento de projetação, de acepção operatória, princípio de classificação, por exemplo: casa-pátio, igreja basilical ou cruciforme, planta livre, edifício em barra, igreja de planta central, etc.
Segundo a definição de Quatemere de Quincy, tudo é preciso e determinado (dado) no modelo, e no tipo tudo é mais ou menos vago, o que permite tomá-lo como algo mais ou menos vago.
Na tipologia da Academia do séc. XIX, a tipologia era instrumento na composição de arquitetura, de ordenação dos elementos e materiais de arquitetura: combinação de elementos de arquitetura, espaços (partes do edifício), das partes entre si e do edifício como um todo.
Como instrumento de interpretação a tipologia foi resgatada por historiadores e críticos na década de 50, é famosa a análise comparativa entre a Vila Garches de Le Corbusier, 1927 e a Vila Malcontenda de Andrea Paládio, 1560, feita pelo historiador Collin Rowe.
Este estudo traça um estudo diagramático que comprova a semelhança de intervalos espaciais que estruturam o edifício. Os dois edifícios compactos, de volume único tem estrutura tripartite, dispondo ambas de plano nobre ou ático, finalmente, elas alternam espaçamentos rítmicos (A-B-A-B-A, sendo A=2B). Ao partilharem estruturas formais semelhantes, as vilas analisadas remetem ao mesmo tipo, com todas a s diferenças de estilo e de técnicas construtivas que podem evidentemente ser notadas; sobretudo em relação a extrema simetria (elevação e planta) da Vila Malcontenda e os deslocamentos e transgressões em relação à simetria da Vila Garches.


referências:



ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. São Paulo: Ed. Ática, 2000.
BANHAN, Reyner. Teoria e Projeto na Primeira Era da Máquina. São Paulo: Perspectiva, 1979
DURAND, J. N. L. Compendio de Lecciones de Arquitectura . Pronaos. Madrid, 1981.
KAUFMANN, Emil, La Arquitectura de la Ilustración . Gustavo Gili. Barcelona, 1975.

ARQUITETURA DA ILUSTRAÇÃO

Etiene-Louis Boullé ‑ 1728-1799
Aluno de J. François Blondel, aprende com ele formas do classicismo francês. Com Jean Legay aprende todo um mundo da imaginação e novas possibilidades da história.
Crítica a academia
História, para Boullé é o conjunto de estudos que versam sobre a origem das ordens ‑ fonte do bom gosto. Boullé é contra as proporções estabelecidas por estas ordens, como também o uso de um edifício regulado por um programa ‑ define novas opções, o caráter. Seus projetos questionam a norma, mas mantém a ordem, não a ordem geométrica, mas a classificatória ‑ organização entre coisas.
A contestação da norma clássica, não busca criar novos códigos, trata os elementos como observados na natureza pelo homem. propõe não o estudo dos mestres mas a meditação sobre a própria natureza ‑ a base do estudo.
Questiona a história como material da arquitetura, para ele é um elemento de reflexão. O problema para ele é qual é o papel o projeto desempenha no seu tempo. Para ele o projeto é o centro da definição das normas.
A argumentação sobre a linguagem torna-se o eixo do raciocínio: “É mais importante saber o nome das coisas do que saber o que estas são”.
Os problemas de projeto para Boullé:
· Explicar como se identifica os elementos e como destacá-los da natureza.
· Definir a linguagem que utiliza.
· Arquitetura não é arte de construir, mas a arte de conceber. Boullé vê ambigüidade nos termos de Vitrúvio: utilitas, firmitas e venustas, distingue concepção de execução, meios e o fim. Distingue arte e ciência (cf. Diderot abaixo).
Influência de Condillac que estuda a origem do conhecimento do homem, a lógica das sensações que são a base da formação do conhecimento ‑ sensação / experiência.
Reflexo de Diderot que define que a execução de um objeto caracteriza-o como produto da arte, e se este é apenas observado, sob diversos pontos de vista, o processo é denominado ciência.
Quando Boullé diz que arquitetura não é arte de construir, porém a arte de conceber imagens, de desenvolver formas que sintetizam idéias, para ele estas não provém da simples vontade, mas do embate com as forças que agem no problema. Concebe-se as imagens mediante a pesquisa, busca-se um esquema genérico comum entre objetos comparados ‑ o tipo. O raciocínio analítico funciona por meio da comparação, Condillac chama de síntese. A busca da norma (tipo) não se estabelece por normas, mas no processo de análise das idéias. O elemento mais simples é o mais perfeito, o corpo puro é o mais perfeito.













Foucault em as “Palavra e as Coisas” fala sobre a mudança do estatuto do saber neste período (séc. XVII-XVIII), que propõe a análise como método universal, os exemplos vêm das ciências naturais, para Buffon a pesquisa define tipos de plantas, de montanhas, de nuvens, etc. O problema da percepção tem como paradigma Newton que define a lei da gravidade a partir da percepção da natureza. Starobinsk, relata que o olhar é o sentido do século XVIII, “O historiador é aquele que narra fatos, a partir do que vê”.
A linguagem é o mesmo que caráter, assim o significado deve aparecer na forma. Boullé diz que ao olhar um objeto, o primeiro sentimento experimentado “é de que maneira o objeto nos afeta”. Denomina de caráter “o efeito que resulta deste objeto e que o que causa em nós uma determinada impressão”
“Introduzir caráter em uma obra é empregar com equidade todos os meios próprios para fazer-nos experimentar sensações além daquelas que devem resultar do tema”. (Boullé, p. 67).
Para Boullé a arte é símbolo, a arquitetura deve falar, daí a definição de arquitetura parlante. Para Boullé, a arquitetura não é relativa ao espaço em que se situa, é uma forma do pensamento sobre uma natureza informe e irracional. O pensamento que se manifesta na forma é social e político, é humano, por isso deve ser geométrico e regular, a natureza está repleta de coisas informes. A regularidade geométrica fala, enquanto o disforme é mudo.
Adota-se o uso da razão para apreender das coisas aquilo que é absolutamente necessário, a regularidade adquire um novo sentido em Boullé:
“Tive que reconhecer que somente a regularidade poderia dar as pessoas idéias nítidas acerca da figura dos corpos e determinar sua denominação (...) Composta por uma multitude de caras, todas diferentes, a figura dos corpos irregulares (...) escapa a nosso entendimento”. (Boullé, Ensaio sobre a Arte, p. 56).

A arquitetura de Boullé se coloca no espaço natural como elemento dotado de significação própria.
Influência da “Querela entre os Antigos e Modernos” na arquitetura da Ilustração.
A posição relativa a história de Boullé resulta da “Querela entre os antigos e modernos” em meados do séc. XVIII. Nesta estava em jogo a definição da verdade da natureza dos estilos. Para os antigos a história têm um valor mítico, enquanto para os modernos a história é processo que muda os costumes, o gosto, os estilos.
O resultado desta disputa entre os “antigos e modernos”:
· A distinção das ordens clássicas da ordem como estrutura da arquitetura
· A definição de um aspecto permanente, absoluto, estrutural da arquitetura, e de um aspecto contingente, costume, linguagem, estilo.

Há imagens magníficas neste site:








Claude-Nicolas Ledoux (n. 1736)
Também foi aluno de Blondel, mas não o seguiu como fez Boullé. Construi seu percurso fora do racionalismo francês, com influência de Rousseau, também não foi a Roma como seus colegas, centrou-se no estudo de Paris.
Ledoux x Rousseau
Rousseau, de seu mote de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe, passa em seus escritos da denúncia do mal social à proposição dos remédios. Deste modo, “como a sociedade afastou-se da natureza, não seria o caso de voltar a ela, mas por um processo de desnaturação recompor as qualidades perdidas” (educação). Como Rousseau, Ledoux sonhava em encontrara as bases de uma moral natural de educação, e foi buscar em sua ética pessoal o modelo de uma moral universal (Vidler, p. 11).
Rousseau é perseguido na França devido suas idéias não possuírem cientificidade e sua aparente hostilidade ao progresso. É contemporâneo de Ledoux e os dois têm em comum a proposição de um estreito contato com a natureza. A natureza é o lugar do idílio, para eles que manifestam um amor ativo em relação à natureza. Os seus objetivos não são reformar a natureza, mas os homens. Conformam-se que a natureza tende a imperfeição de cada espécie, objeto. Assim para Ledoux, ao contrário que Boullé, não é o tipo central que testemunha a intenção criadora, mas o indivíduo. Para Ledoux o homem participa das intenções permanentes da natureza. Boullé crê numa natureza-objeto, calculável, mecânica ‑ de ordem científica, e situa arte como expressão ideal.
Arquitetura autônoma
A referência primeira de Ledoux é a arquitetura clássica, não a mítica grega mas a romana civil, sua metodologia de comparação é moral e laica. Não desfez-se de Vitrúvio, antes adotou particularmente palavras chaves acadêmicas deste: salubridade, ordenação, simetria, proporção, conveniência. O contato com a estética sensualista de seu tempo leva a afirmação dos termos: caráter, contraste, variedade; e de termos decorrentes das novas exigências práticas: distribuição e necessidade[1].
Ledoux se coloca contra a unidade barroca, cuja supressão de uma parte destrói o conjunto. Propõe a autonomia dos elementos volumétricos, o sistema de pavilhões, que não são partes, mas elementos independentes. A parte é livre no marco definido como todo. “O todo é um embuste”.
Até mesmo a representação de seus projetos é analítica. A perspectiva (axonométrica) encontra-se sobre uma decomposição analítica do objeto em planta, seção e elevação.
A cidade da salinas de Chaux é um projeto em que propõe a dissolução da unidade barroca, os diferentes edifícios aparecem desligados. Utiliza os sistema dos pavilhões, o edifícios são dispostos segundo pontos de vista prático. O centro da cidade, localizado no centro do desenho, não é pensado do ponto de vista plástico espacial, ergue um edifício no centro. Um espaço barroco tentaria envolver o vazio em muros. Ledoux exalta o volume em detrimento do espaço.
Os materiais têm leis próprias, pedra aparece como pedra, em sua condição natural e valor. Propõe uma arquitetura da produção (Vidler). Para Ledoux “Ao arquiteto corresponde a vigilância do princípio, pode ativar os recursos da indústria, velar pelos produtos, evitar empreendimentos onerosos, pode fazer aumentar os tesouros graças a combinações nas que a arte é pródiga”.


La Saline royale d'Arc-et-Senans






Teatro Besançon







Boullé e Ledoux: "a forma é pura"
Tanto Boullé quanto Ledoux defendem que a “forma é pura”, esse formalismo geométrico é bastante distinto da ordenação geométrico-matemática da perspectiva. O problema da regularidade explica essa diferença, em parte, a resposta coloca-se na explicação do sentido que possui o espaço constituído por formas regulares.
Na arquitetura da Ilustração o princípio da proporcionalidade é substituído pelo domínio de um princípio formal e visual radicalmente novo, contrapondo a ordem de valores numérico-proporcionais e harmônicos da ordem clássica com os volumes, principalmente o cubo, que se torna uma unidade espacial modular reprodutível, como um standard de princípio construtivo-racionalizador (abstrato). Robert Morris elabora na Inglaterra um método de estudo das qualidades da arquitetura, baseado na compreensão dos princípios compositivos reguladores através da combinação de cubos horizontal e verticalmente.

Contra o valor de semelhança que a perspectiva tem com a realidade, o cubo é mais regular, abstrato, simbólico (convencional) e imutável. Ocorre uma decomposição do espaço na ilustração, ou seja, uma prevalência do volume em relação à experiência (contato) com o espaço própria do renascimento. Pode-se remeter essa transformação às formulações de Kant que pensa no espaço enquanto uma forma a priori da intuição. Uma forma de nos localizarmos no mundo.
Para Boullé, a regularidade é a primeira lei, é a que estabelece os princípios construtivos da arquitetura, seu valor artístico consiste em que a “regularidade e simetria são a imagem da ordem”. Boullé ainda argumenta que a analogia, variedade e harmonia, em relação à simetria devem ser necessariamente deduzidas da imagem de ordem, e “o domínio da simetria deve comportar tudo o que compraz a nossos sentidos”.

[1] A definição da enciclopédia era que arquitetura era a arte de embelezar a necessidade, nunca foi bem aceita por ser superficial, traduzida como “máscara embelezada”. Os arquitetos responderam que a arquitetura era distribuição (adaptação funcional) e o Abade Laugier (figura Cabana Primitiva, abaixo), retornando às fontes da arquitetura, propõe a integridade estrutural como definição. Outros ao promoverem uma linguagem das formas, centram-se no problema do caráter.



Referências:

BOULLÉ, E. L. Ensaio sobre a Arte.


D'AGOSTINO, Mário Henrique Simão - "As prímicas da cordem" (xerox)
KAUFMANN, Emil - De ledoux a le corbusier - Colección punto e línea

PAUSE, Michael; CLARK, Roger H.. Precedents in Architecture. New Yok: Van Nostrand Reinhold Company, 1985

STAROBINSKI, Jean. A Invenção da Liberdade. São Paulo: EdUNESP. 1994.

Anthony Vidler, 1987. Ledoux. Madrid, 1994.

ver também trabalho feito por Pedro Fonceca em THAU2:



sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Camillo Sitte

Extrato de monografia de mestrado Camillo Sitte e Brasília, 1996. Programa de Pósgraduação Tecnologia do Ambiente Construído. EESC/USP. 1995. Clara Luiza Miranda

Camillo Sitte (1843-1903) com o livro “A Construção das Cidades segundo seus Princípios Artísticos”, de 1889, avalia o planejamento urbano do seu tempo, questionando os critérios técnicos e higienistas que os norteavam. Apoiado em análises de fragmentos de cidades antigas que conhecia (principalmente praças), destacava o seu caráter urbano e artístico, que se formava paulatinamente in natura e com o tempo.
O método do Sitte viajante conhecer essas cidades, pela melhor torre, pelo mapa fragmentado em quadrículas para melhor manuseamento, pela caminhada; deve ter fornecido subsídios para suas idéias de desenho urbano, que consistia em “ordenar os espaços em atrativos patterns e seqüências” (COLLINS e COLLINS, 1980, p. 68) e não numa articulação de edifícios isolados sobre uma malha viária. O desenho urbano de Sitte era tridimensional, movido pelo gosto e sensibilidade e não era uma questão de geometria ou economia.
A escolha do termo construção das cidades para o seu livro ao invés de planejamento ou projeto, mostra a perspectiva empírica de sua abordagem, enfatizando a síntese das artes produzida na prática artesanal, no lugar do projeto ou desenho prévio. Este partido teórico pode ser explicado por sua formação no meio do artesanato junto ao seu pai, e suas filiações teóricas a Gottfried Semper e Richard Wagner
Sitte nasceu em Viena, seu pai Franz Sitte, foi artista e arquiteto, que denominava a si mesmo de “arquiteto privado”, um estatuto profissional intermediário entre um mestre construtor medieval e um arquiteto moderno com formação acadêmica (SCHORSKE, 1979, p. 82). A família de Sitte tinha uma boa posição no ambiente profissional, porém, algo marginal no quadro do “renascimento cultural vienense do período”(COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 14)[i].
A formação profissional de Camillo Sitte, seguiu pela Technische Hoschule, no atelier do arquiteto Heinrich von Ferstel; pela Universidade entre 1863-1868, onde cursou história da arte e arqueologia com Rudolf Eitelberger, que tiveram uma atuação importante na construção de edifícios no complexo Ringstrasse, de embelezamento e ampliação de Viena, executado a partir de 1959.
Segundo Carl Schorske, a cultura historicista universitária reforçou em Camillo Sitte a maneira que logrou preservar a cultura artesanal, conciliando com a formação acadêmica, foi a “educação promovida pelo estado e a propaganda acadêmica”(COLLINS e COLLINS, op. cit., p. 84).
O interesse de Camillo Sitte pelo planejamento urbano foi suscitado em parte, pelo seu professor Eitelberger e por seu esforço de compreensão das idéias urbanísticas de Gottfried Semper, que procurava sistematizar em escritos e conferências. Segundo George e Christiane Collins no entanto, a explicação da aparição do livro em 1889, deve ser atribuída as “mais secretas reflexões” de Sitte produzidas em viagens pela Europa(COLLINS e COLLINS, op. cit., p. 18-19).
Os Collins chamam atenção em seu texto, ainda, para o fato de que o interesse pelo planejamento urbano não se desligava de outro grande projeto histórico que ocupava Camillo Sitte: suas teorias sobre a síntese das artes e a arte como desenho total, influência de seu pai, de sua admiração por Richard Wagner e Gottfried Semper. Assim, a construção das cidades era pensada por Sitte, apenas como um aspecto do conjunto das artes (Id. Ibidem, p. 23) - gesamtkenstwerk.

Sitte e a cultura alemã
O pensamento de Camillo Sitte era profundamente alemão; dizia que “toda arte verdadeira devia ter em sua base no impulso nacional do povo” (Id. Ibidem, p. 24). Este nacionalismo de Sitte assentava-se no contexto da unificação alemã, na qual Richard Wagner exercia um papel de defesa da valores do artesanato, em contraposição ao capitalismo industrial. o tradicionalismo social e funcionalismo “wagneriano” de Sitte, apontava para o planejador urbano a função de “regenerador da cultura”. Sitte diz,
“Assim demonstramos que a construção urbana, quando concebida de modo correto, não é uma mera função burocrática e mecânica; constitui antes, uma obra de arte importante e expressiva, parte da mais nobre e genuína arte popular, cujo sentido é tanto maior for a falta, em nosso tempo, de uma síntese popular de todas as artes plásticas a serviço de uma grande obra artística nacional” (SITTE, 1992. p. 183).
No livro de Camilo Sitte, há concepções importantes sobre a atribuição profissional do arquiteto e da especulação do uso solo, que resultava numa espécie de divisão do trabalho nas partes da cidade. Para o arquiteto, as praças e ruas principais, onde era possível unificar as várias artes numa gesamtkunstwerk visual. Para a “valorização do terreno”, por “razões econômicas”, as áreas secundárias[ii]. Essa posição refletia a situação da gestão da cidades e a divisão social do trabalho entre engenheiros e arquitetos do período pós-liberal, ou seja, da segunda metade do século XIX.
Em relação ao desenho urbano, para Camillo Sitte o arquiteto devia aceitar trabalhar no fragmento - praças e ruas - aspirando a totalidade, a síntese das artes. Quanto aos planos urbanos, em sua visão os fundamentos deviam ser dados por um programa definido[iii]; esboço de uma imagem dos objetivos propostos para a parte da cidade a ser construída, seja praça, rua e edifícios públicos previstos[iv].
A concepção plano urbano, em termos da totalidade do loteamento prévio, era explicitamente repudiada por Sitte; que somente admitia, para o planejamento da expansão urbana: a determinação do sistema viário, priorizando as ruas principais, preservando as ruas já existentes[v].

Camillo Sitte condenava os princípios artísticos da transformação do Ringstrasse de Viena
O termo mais comum utilizado para descrever o Ringstrasse em 1860 era “embelezamento da cidade”[vi]. Termo que Sitte não devia concordar ; pois, seu livro “A Construção das cidades segundo seus Princípios Artísticos”, chamava atenção para a dimensão estética da cidade, situando-se criticamente com os princípios que baseavam o programa de remodelação do Ringstrasse. Discordava da ”disposição torpe do espaço ao redor dos grandes edifícios e pela forma de situar os monumentos públicos”[vii]. E, a partir da análise de espaços antigos, concluiu que:
“Apenas no nosso século matemático é que os conjuntos urbanos e a expansão das cidades se tornaram uma questão quase puramente técnica, e assim parece importante lembrar que, com isso, apenas um aspecto do problema é solucionado, enquanto o outro o artístico, deveria ter, no mínimo, a mesma importância”[viii]
Neste raciocínio os trabalhos desenvolvidos no Ringstrasse, começam a ser postos em dúvida, tendo como parâmetros não mais a natureza ou a higiene, mas a própria vida civil, que tinha como palco, este “legado pelo passado histórico da burguesia européia”: a cidade[ix].
Quando Camillo Sitte se refere à preservação de conjuntos urbanos antigos, se refere também aos costumes que abrigavam. Diz que na Itália, as principais praças das cidades mantiveram-se fiéis, ao modelo do velho fórum. Camillo Sitte argumenta que uma parte considerável da vida pública continuou a realizar-se nessas praças, mantendo tanto parte de seu significado público, quanto relações entre as praças e as construções que as circundam[x].
Sitte observou que há muitos séculos a vida popular vinha retirando-se das praças públicas no resto da Europa, sobretudo no período da cidade industrial:
“ (...) sendo quase compreensível que tenha diminuído tanto o interesse da grande massa pela beleza das praças, que acabaram por perder grande parte de seu sentido original. Decididamente, a vida dos antigos era muito mais favorável à concepção artística da construção urbana do que a nossa vida moderna, matematicamente compassada e onde o próprio homem acaba por tornar-se máquina”[xi].
O ambiente do Ringstrasse, era desprovido de sentido seja na tradição da construção urbana, num sentido estético segundo Camillo Sitte. A utilização indiscriminada de estilos históricos, como uma colagem desconexa do seu pano de fundo, para Sitte não dava conta das necessidades psicológicas e culturais das pessoas; para Wagner , não dava conta dos significados, que a formação da nova cultura urbana, secular e capitalista colocava.
Para Sitte, “a mania dos espaços abertos” desintegrava a arquitetura e meio ambiente, dificultando a apreensão pelas pessoas que transitam pelas ruas; criando uma neurose moderna - a agorafobia, medo de atravessar amplos espaços abertos.
A crítica de Camillo Sitte, de certo modo, vai de encontro as observações posteriores de Richard Sennet[xii], que diz que a morte do espaço público nas cidades modernas, deve-se à valorização do espaço privado, como conseqüência do esvaziamento do domínio da vida pública, que segundo ele delineia-se justamente no séc. XIX. O conceito de vida pública, então, começa a envolver uma vida social complexa e dispare, cuja a ordem ideal tinha com parâmetro a vida privada e intimista. Explica-se este fato, pelos conceitos de isolamento, separação, divisão que são problemas intrínsecos do capitalismo; que na etapa do consumo impõe o individualismo e dissolve o gregarismo.
Richard Sennet apresenta os termos “cidade” e “civilidade” dentro de uma mesma “raiz etimológica”; e diz que “a geografia pública de uma cidade é a institucionalização da civilidade”[xiii]. Para Camillo Sitte a inexistência de praças e edifícios públicos em uma cidade, considerando a vida pública nestes, a descredenciava como cidade[xiv].
“É preciso ter em mente que a cidade é o espaço da arte por excelência, porque é esse tipo de obra que surte efeitos mais edificantes e duradouros sobre a grande massa da população, enquanto os teatros e concertos são acessíveis apenas às classes mais abastadas”[xv].
Para Richard Sennet, Camillo Sitte concebia a comunidade dentro da cidade[xvi]. A advertência de Camillo Sitte sobre o desaparecimento das praças, com o respectivo esvaziamento do seu significado público, vinha do temor da vida da burguesia acabar transcorrendo somente sob portas fechadas.
Sitte e o planejamento urbano
Passagens do livro de Camillo Sitte resignam-se com os moldes da gestão da cidade pós-liberal, e, sugerem que concedia estatutos diversos ao arquiteto, ao construtor das cidades, e ao sanitarista[xvii]. Referindo-se ao projeto e construção em cidades de dimensões das metrópoles industriais, recomenda:
“.(...). o construtor de cidades, assim como o arquiteto, deve adequar sua próprias escalas à cidade moderna com seus milhões de habitantes”[xviii].
Sitte lamentava-se de que o quantitativo de recursos, conferidos à atuação dos arquitetos para construção de edifícios, era muito maior que os concedidos ao construtor de cidades, no que se refere as intervenções de caráter artístico[xix]. A constatação de Sitte era que a parcela da cidade a cargo do Estado constituía-se na verdade, uma “terra de ninguém”; e por outro lado, precisa as limitações de sua própria abordagem, que não confronta os mecanismos estruturais de gestão e valorização do solo urbano.
Os problemas que orientavam o planejamento urbano alemão, no tempo de Sitte, enfatizavam a saúde pública; questões ligadas a legislação do uso do solo, como zoneamento; posturas de uso do terreno como afastamentos; assim como a questão das tipologias habitacionais e dos locais de trabalho. Em compensação, o pinturesco conhecido dos parques ingleses (estudados sob o ponto de vista de drenagens e copiados nos seus “efeitos românticos”), foi introduzido pelos engenheiros na Alemanha, os mesmos tinham uma “indiscriminada confiança na linha reta”[xx]. O debate daquele momento era justamente sobre a forma curva ou reta das ruas.
O planejamento urbano se incrementou na Alemanha, através dos esforços combinados que atuaram em campos específicos, além de Camillo Sitte, Reinhard Baumeinster (1833-1917) e Joseph Stübben (1845-1936)[xxi]. A literatura que eles produziram tinha a consciência da necessidade de novas técnicas controle do crescimento urbano, fundava-se no entanto, em padrões organicamente assentados no desenvolvimento da iniciativa privada A cidade era pensada como uma matéria de método, de sistema; colocando os processos urbanos num patamar racional.
Os manuais técnicos ajudaram a fornecer indicações objetivas à uma expansão organizada[xxii], através de regras ao invés de soluções formais prefiguradas ou modelos. Enquanto, os manuais técnicos colocavam regras adaptáveis à diferentes condições urbanas; Sitte trabalhava com a idéia da individualidade dos espaços.
Baumeinster compreendeu o planejamento urbano como campo de experimentação científica[xxiii]. Produziu manuais básicos sobre os aspectos legais e técnicos da disciplina. Propunha o planejamento urbano em função do tráfego, e foi pioneiro na estruturação legal do zoneamento. Também Baumeister criticava o uso indiscriminado dos sistemas cartesianos. Recomendando o efeito estético das ruas curvas e a importância do fechamento por “paredes” das praças públicas[xxiv].
Stübben, publicou o Handbuch des Städtebaues em 1890, atualizado numa edição de 1924, contém suas contribuições a uma teoria estética do planejamento urbano. O livro de Stübben, divide-se em critérios práticos e estéticos; sendo que o interesse artístico revela, segundo os Collins:
“o desejo de muitos dos planificadores do seu tempo de chegar a leis ou regras com as quais pudesse tomar decisões artísticas”[xxv].
O livro de Sitte propõe-se a organizar “as leis da construção do belo urbano”[xxvi]. Sitte acredita que na relação entre edifícios e praças, os critérios de desenho, “não podem ser definidos com a mesma exatidão” que entre os elementos construtivos de um edifício. Contudo, uma definição aproximada, se fazia importante para ele, sobretudo “para a construção urbana moderna, onde a arbitrariedade da régua substitui o desenvolvimento histórico gradual”[xxvii].
Deste modo, segundo Francoise Choay, a partir de um método analítico de comparação entre cidades antigas e modernas, destaca dois aspectos importantes a “idéia artística de base”, e uma sucessão de diversos tipos de paisagens urbanas, “que balizam a história estética das cidades”[xxviii]. Sitte busca estruturas constantes - regras de dimensionamento de praças, relação entre edifícios e praças, fechamentos laterais, disposição de monumentos, árvores, arcadas, etc.

Bibliografia
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BATTISTI, Emilio, La Urbanística del Siglo XIX: Los planes de Barcelona e Viena, 1980. In PATETTA, Luciano, História de la Arquitectura, Antologia Crítica, Madrid : Hermann Blume, 1984, pp. 247-8
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BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna, São Paulo: Perspectiva, 1985
CHOAY, Françoise. A Regra e o Modelo, sobre a teoria da arquitetura e do urbanismo, São Paulo: Perspectiva, 1980, (trad. Geraldo de Sousa, 1985)
CHOAY, Francoise. O Urbanismo, Utopias E Realidades, uma antologia, São Paulo: Perspectiva, 1965 (trad. Dafne N. Rodrigues 3. ed., 1992)
COLLINS, George R. e COLLINS, Christiane C.. Camillo Sitte Y el Nascimiento del Urbanismo Moderno, Barcelona: Gustavo Gili, 1965, (ed. castelhana, 1980)
FRAMPTON, Kenneth, História da Arquittura Moderna, São Paulo: Martins Fontes, 1997
LE RIDER, Jacques. A Modernidade Vienense, e as crises de identidade, Rio de JANEIRO: Civilização Brasileira, 1993 (trad. Elena Gaidano, 1992)
MARTIN, Camille. Ruas. 1918. In SITTE, Camillo. A Construção das cidades segundo seus princípios Artísticos. São Paulo: Martins Fontes, 1909 ( trad. Ricardo F. Henrique, em 1992)
RAMON, Fernando. Habitação, Cidade, Capitalismo, Teorias e Ideologia Urbanística, Porto: Escorpião, 1970 ( ed. portuguesa, 1977)
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade, São Paulo: Martins Fontes, 1966 (trad. Eduardo Brandão, 1995)
SCHORSKE, Carl E.. Viena Fin-de-Siècle, Política e Cultura, São Paulo: Companhia das Letras, 1979 (trad. Denise Bottman, 1988)
SENNET, Richard. O Declínio do Homem Público, as tiranias da intimidade, São Paulo: Companha das Letras, 1976 (trad. Lygia A. Watanabe, 1988)
SITTE, Camillo. A Construção das cidades segundo seus princípios Artísticos. São Paulo: Martins Fontes, 1909 ( trad. Ricardo F. Henrique, em 1992)
[i] COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 14
[ii] Cf. SITTE, Op. Cit. p. 138
[iii] SITTE, Op. Cit., p. 131
[iv] Id. Ibid., p. 131
[v] Idem, p. 127; citação das decisões da Assembléia Geral da Liga das Associações de Arquitetos e Engenheiros Alemães, em Berlim, 1874.
[vi] Id. Ibid., p. 45
[vii] COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 58
[viii] SITTE, Op. Cit., p. 15
[ix] RAMON, Fernando, Habitação, Cidade, Capitalismo, Teorias e Ideologia Urbanística, 1. ed. 1970, ed. portuguesa, 1977
[x] SITTE, Op. Cit., p. 25
[xi] SITTE, Op. Cit. , p. 113
[xii] SENNET, Richard, O Declínio do Homem Público, as tiranias da intimidade, 1. ed. 1974, ed. brasileira, 1989
[xiii] SENNET, Op. Cit. , p. 324
[xiv] SITTE, Op. Cit., p. 22
[xv] Id. Ibid., p. 118
[xvi] Idem, p. 358
[xvii] SITTE, Op. Cit., p. 94, e também, p. 116
[xviii] Id. Ibid., p. 116
[xix] Idem., P. 94
[xx] COLLINS e COLLINS, Op. Cit., pp. 31-3
[xxi] COLLINS e COLLINS, op. cit., p. 39
[xxii] idem
[xxiii] COLLINS e COLLINS, Op. Cit., p. 39
[xxiv] Id. Ibid., pp. 40-1
[xxv] Id. Ibid., p. 44
[xxvi] CHOAY, Françoise, A Regra e o Modelo, ed. francesa 1980, ed. brasileira 1985, p. 292
[xxvii] SITTE, Op. Cit., p. 60
[xxviii] CHOAY, Op. Cit., p. 292-3